Minha parceira de fuga
Leonardo
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 12/08/20 22:17
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 9min a 12min
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Palavras: 1534
[Texto Divulgado] "Cinzas no Deserto" Uma história baseada em algumas histórias baseadas em histórias que tanto amamos, de coração. Bora ler.
Não recomendado para menores de dez anos
Capítulo Único Minha parceira de fuga

O vento que o anoitecer trazia consigo, jorrando na minha cara junto da poeira da estrada amassada pelo pneu do meu carro, me deixava um tanto empolgado. Não havia um bom motivo para isso, não sou o tipo de cara que busca um significado oculto por qualquer coisinha, apenas estava empolgado e nada mais. É assim que eu sou.

Infelizmente, minha companheira Elisa parecia ter pisado no freio com sua animação. Até poucos minutos atrás, quando a busquei na porta de casa com a desculpa de que ia testar o novo carro velho do meu velho, ela parecia contente. Não sei se ela tinha em mente em zombar das regras estabelecidas por seu pai ultraconservador ou só queria afrontá-lo ao sair com um vagabundo como eu, mas jamais a definiria como desanimada. Na verdade, estava de olho nela faz algum tempo. Dias, talvez até semanas, o máximo de tempo que se pode gastar antes de flertar de verdade. Ela era uma garota loira, de pele cor caramelo e lábios carnudos. Tinha um nariz arrebitado, típico da patricinha que era e seus olhos, esverdeados como joia, eram afiados como um facão. Sua pele bronzeada como se esperaria de alguém que se banha ao sol por lazer e não a trabalho, além de suas feições serem delicadas, suaves de se olhar, como se fosse desenhada por um artista. Leonardo da Vinci ou aquele cara triste sem uma orelha. Na moral, não sou mesmo bom com nomes, principalmente os difíceis como o dele.

— Posso colocar alguma coisa no rádio? — me perguntou, toda delicadinha. Assenti em resposta e ela procurou uma estação. Foi necessário passar por vários chiados e orações para que chegasse numa música decente, mas também, em contrapartida, ao encontrá-la a moça dançou loucamente. Acho bonito para cacete quando uma garota dança assim. Mesmo sentada, ela balançava seus braços, por sua vez, livres por ela só vestir uma regata branca. Essa regata apertava seus seios grandes, fazendo-os parecer maiores. Como estava sem sutiã, se eu me esforçasse dava para ver suas auréolas avermelhadas por debaixo do tecido fino. Quando reparou que eu a encarava, acabou por me lançar um olhar incisivo. — Que foi? Acha muito estranho eu me animar com bossa-nova?

— Não, não. Tipo, eu não sou do tipo que dança, mas curto pra caralho quando fazem.

— Até quando não fazem bem? — brincalhona como uma gata, ela parecia falar de si mesma. Tinha uma mania meio chata de ficar se insultando sempre que tinha chance. Mas eu nunca saberia. Não sei julgar se a dança é boa ou ruim, só gosto de olhar mesmo.

— É melhor ainda quando não fazem bem. — Elisa cruzou suas pernas e nossa! Que pernas eram aquelas! Usava um calção jeans curto, de um azul meio desbotado e com tecido meio surrado.

Permanecemos silenciosos, deixando que a música suave nos carregasse estrada a frente. Estranhamente, não era embaraçoso. Devia ser, pois só trocamos poucas frases e as mesmas não eram do tipo que eu poderia me orgulhar.

Eu sempre falo para caralho. Conto vantagem mesmo. Não que tenha um motivo real para isso, algo no meu íntimo que me incentivasse a massagear meu ego de tal forma. Eu apenas fazia. Mas, ao lado dela, sentia que podia calar a porra da boca. Ficar tranquilo e não dizer um monte de bobagens só para ter sua atenção. Isso é meio mágico.

Achei que vi um policial, então diminui a velocidade e coloquei meu maior sorriso no rosto. Na real, não era ninguém da suposta autoridade. Isso é bom. Seria uma merda se meu pai tivesse que ir de novo buscar o carro apreendido. E esses pilantras cobram uma nota só para deixar o carro lá.

Elisa procurava uma garrafa de Pepsi que eu havia lhe comprado na vendinha ao lado de casa antes de sair para buscá-la. Havia deixado debaixo do banco de carona, escondida do sol para mantê-la gelada. Agora, isso não era mais necessário. Depois de encontrar, e quase saltitar por essa pequena vitória, eu falei para ela pegar o abridor de garrafas que eu sempre mantenho no porta-luvas. Abriu a garrafa com a aptidão digna de um mestre. Se não me engano, Elisa trabalhou num bar do pai de sua melhor amiga por um tempo (em segredo, claro) e desde então ela se tornou uma monstra quando se trata de abrir garrafas.

Como seu pai faria questão de me matar se eu deixasse sua querida filhinha um tiquinho mais alterada do que estava quando saiu de seu cativeiro moralista, decidi ficar só no refrigerante. Com meus poucos trocados, só deu para comprar uma garrafa, por isso eu dei de presente para ela.

— Sabe, achei esse um presente muito fofo. De verdade. — era engraçado como ela sempre precisava usar de verdade no fim das frases, como se eu não fosse acreditar em suas palavras. — Mas eu não consigo mesmo tomar tudo. Se quiser um gole generoso, não hesite em dá-lo.

E ela continua falando de um jeito pomposo...

— Tá acostumada com bebidas mais fortes, garota?

— Ah, quem me dera. Consigo dar umas escapadas e beber um corote de vez em quando, mas, se papai descobrisse, eu estaria ferrada. De verdade. E o pior é que o velho tem uma adega. Tipo, eu posso escutá-lo falar sobre a composição da cerveja até ele se dar ao luxo de cansar, mas experimentar? Parece que estou cometendo um pecado. Detesto isso.

— Até acho normal um pai ser protetor em relação a sua filha, mas ele exagera um pouco.

— Um pouco? — ela riu de forma anasalada. — Eu já o acho um ditador. Você que tem sorte. Do pouco que escutei do seu pai, ele parece ser incrível.

— Não sei se incrível seria a melhor palavra para definir meu velho. Tipo, ele me trata mais como um parceiro de farra do que como um filho. Deve parecer divertido, mas as vezes faz falta uma bronca.

— Poxa. Confesso que fiquei surpresa.

— Com o quê?

— Você é bem mais autoconsciente do que eu esperava. Que tipo de adolescente pede por broncas?

— Sei lá. Talvez se o meu pai fosse chato como o seu, eu não falasse coisas assim. Mas agora é isso que eu penso. Afinal, minha velha foi embora por causa dele.

Pela primeira vez, o silêncio dentro do carro não foi agradável. Era do tipo embaraçoso. Era raro eu falar dessas merdas, achava besteira ficar me lamentando sobre meus pais. Mas simplesmente saiu e não há como retirar.

Notando meu desconforto, Elisa decidiu não dizer mais nada sobre o assunto, simplesmente esticando a garrafa de refrigerante para mim. Hesitei por meio segundo, mas seu sorrisinho meigo me fez aceitar. A agarro, ainda mantendo parte do meu foco na estrada caso acontecesse alguma coisa e bebo o gole generoso que ele me ofereceu. Agora que a minha mãe vazou, lá em casa a gente bebe refrigerante como as pessoas bebem água.

Depois de agradecer, e devolver a garrafa para a dona, eu volto minha atenção para a estrada. Apertei o volante, talvez na tentativa de me sentir mais seguro, e pisei no acelerador. As poucas casas de madeira, na maioria pequenas e sem terreno, ficavam para trás quando avançávamos sob a estrada de terra. De vez em quando, o carro, que já era rebaixado, saltava ao se chocar com os buracos dessa estrada irregular. Eu devo ser o único idiota que gosta dessa sensação. Nunca me dei bem em estradas asfaltadas e cheias de carros. Prefiro avançar em estradas desertas, sem nenhuma restrição além dos buracos constantes.

— Quando você acelera, seus problemas ficam para trás junto das casas?

Não sei se era a reação que a garota esperava, mas acabei rindo bastante. Qual é? A essa altura do campeonato ela deveria saber que esse tipo de questionamento ousado não funciona comigo. Tenho uma vida simples, dilemas simples acompanhados de ideias simples para resolvê-los. Não sou um cara profundo.

— Acho que sim. — vendo que ela não ficou satisfeita, acabo pensando num complemento. — Eu estava mesmo pensando em extravasar. Como imaginei que você ia curtir a ideia, resolvi te chamar.

— É, eu gostei um bocadinho. — repousou sua cabeça no braço direito apoiado na janela. Acho que queria soar mais despretensiosa do que a pergunta que fez. — Mas você pode me dizer o motivo de ter me escolhido?

— Não foi bem uma escolha. Eu só pensei que você ia curtir. Acho que bateu uma conexão. Sei lá.

— Uma conexão. Humm... — como a garota voltou a dar o lugar ao silêncio, resolvi encará-la. Quase que imediatamente, sinto seus lábios me tocando na bochecha. Eram gentis, doces como uma fruta e tinham o leve cheiro de Pepsi. — De certa forma, acho que me sinto igual. Podemos continuar aqui o tempo que você quiser.

O cheiro de poeira da estrada parecia ter casado com a brisa noturna. Mesmo assim, seu beijo me deixou quente. Por mim, ficava ali até o amanhecer, andando a esmo com meu carro e aproveitando os pulos que ele fazia ao se chocar com os buracos.

— Vamos voltar. Preciso falar com o meu pai. — eu falei, esperando desapontamento, mas, invés disso, recebi um sorrisinho de aprovação. Demos meia volta, indo de encontro com as casas que abandonamos no caminho.

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Apreciadores (3)
Comentários (3)
Postado 24/08/20 14:08 Editado 24/08/20 14:14

Olá, Sr. Leonardo!! Que texto mais legal!!

Adorei todo o clima que você criou para a história, quando li fiquei muito ansiosa para ver o lado dela da visão!!

Acho que sou uma shippadora sem cura hahaha, pois shippei fortemente esses dois aí hahaha

Abraços <3 <3 <3

Postado 24/08/20 15:12

Só não te julgo porque eu também shippo muito os dois (quero escrever mais sobre eles, inclusive. Em algum outro contexto, quem sabe...).

Agradeço pelo seu comentário maravilhoso<3<3<3

Um abração para você <3<3

Postado 27/08/20 20:58

Eu não sei explicar o que estou sentindo, talvez uma conexão? Ahhahahah, zueira.

Adorei como uma simples volta com a "patricinha" foi se tornando tão profunda em uma conversa de palavras curtas, estou de boca aberta! ( ╹▽╹ )

(Quero tanto que eles tenham se casado e vivido feliz até que a morte os separo!? Casal mais compativel desse mundo ♥️)

Obrigado por compartilhar sua obra e espero ver mais desses dois por aqui.

Assinado alguém que adora Pepsi, <3

Postado 27/08/20 21:50

Ba dum tss! Ah há! hehe. Exato, uma conexão.

Poxa, que bom que gostou da conversa com a patricinha :3. Eu adoro escrever esses personagens, porque eles são tão diferentes.

(Realmente ♥️. Só não te conto oque acontece porque estou pensando seriamente em escrever mais sobre eles)

Poxa, eu é que agradeço por seu comentário ♥️♥️♥️. Estou com umas ideias sobre esse relacionamento deles, então você com certeza os verá <3

Pepsi é um dos melhores refrigerantes ♥️♥️

Postado 06/09/20 20:34

Realmente gostei do universo que você criou. Acho que sou como a Mei, uma shippadora.

Espero encontrar mais sobre eles.

Parabéns!

Postado 07/09/20 11:42

Muito obrigado! Fico feliz que tenha gostado <3