21 de Fevereiro de 2017. Alguns dias se passaram desde o assassinato de Márcia, durante os quais os acadêmicos deram à professora um enterro apropriado no cemitério da Academia, investigaram o que poderia ter levado ao seu fim, e chegaram à conclusão de que Willy e Valdemir eram os principais suspeitos. Após deixá-los trancados na prisão da instituição por cerca de uma semana, os alunos organizaram um julgamento público com base em suas investigações individuais e determinaram o culpado.
— Valdemir, você está livre — disse Júlia ao abrir a cela do professor e deixá-lo sair.
— Um absurdo vocês terem me tratado dessa forma! — o professor exclamou. — Eu jamais teria feito uma atrocidade daquelas, ainda mais a uma bela mulher como a Márcia — ele completou, com lágrimas escorrendo por seu rosto desleixado.
Júlia não disse muito mais, e se moveu para a frente da cela de Willy enquanto Valdemir subia a escadaria do subsolo em direção ao térreo da Academia, indignado.
— É o fim da linha para você, Willy — disse a diretora ao entrar na cela e colocar duas algemas em torno dos pulsos do velho zelador.
Com um olhar não muito diferente do que o homem exibia no dia-a-dia, uma expressão sem graça e irritada típica do "velho rabugento", como fora chamado por muitos anos entre outros estudantes e professores da Academia, Willy foi levado até o pátio nos fundos da instituição, onde os outros moradores o aguardavam.
— Assassino! — gritou Senhorita Mês, dentre a pequena multidão de acadêmicos, ao ver Willy.
— Demorou! Eu soube desde que o vi! — exclamou Ava.
— Olha só para a cara de assassino dele! — apontou Elorayna.
— Pessoal, têm certeza disso? — questionou Nicolle. — Depois que isso acontecer, nunca mais poderemos voltar atrás!
— Temos sim — afirmou Petra. — Depois de juntar todas as informações que encontramos, só pode ser ele mesmo.
— Olho por olho, morte por morte! — concordou Haruna, levantando uma de suas facas preferidas ao céu.
Com exceção de Nicolle que votou em Valdemir, e Virgilius e Lionel que não compareceram no tribunal, todos os demais acadêmicos haviam votado para que Willy fosse punido pelo assassinato de Márcia. Como a Academia havia recebido autoridade da realeza local para ter controle do exercício da lei em suas propriedades, a diretora Júlia e vice Shizu podiam praticamente fazer o que quisessem na premissa da mesma.
— Júlia, é o Willy, nosso parceiro — sussurrou Shizu no ouvido da diretora. — Não podemos fazer algo para impedir isso?
— Já foi decidido — afirmou, fria. — Fique quieta, ou você será a próxima.
A diretora subiu com o acusado em um palco montado no pátio, onde Willy encontraria sua morte em uma forca improvisada, como se fazia nos velhos tempos.
— Quais são suas últimas palavras? — perguntou Júlia após colocar a corda em volta do pescoço do zelador.
— Fillfidh dia an bháis! — respondeu Willy com vigor.
As palavras recitadas pelo zelador ecoaram pelas premissas da Academia, levando muitos a questionarem o significado das mesmas. Shizu rapidamente usou a perna direita para chutar o banquinho em que o velho se apoiava, e o peso de seu corpo contra a corda fez-lo asfixiar pelos próximos minutos. Três longos minutos se passaram, em que o homem sufocava e chacoalhava, tentando segurar a corda com as mãos cansadas. Três minutos em que, além das arfadas agonizadas do condenado, nada mais foi ouvido na Academia.
Após observarem o ocorrido, nos dias que se seguiram, a maioria dos acadêmicos "entraram na linha" e passaram a se comportar melhor, tendo percebido que atitudes ruins realizadas na casa receberiam a punição apropriada. No dia após a execução, Senhora Mônia foi contratada para a posição de governanta que procurava, assumindo responsabilidades que previamente eram do zelador.
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20 de Março de 2017. Um mês se passou desde a execução do zelador Willy no pátio da Academia. Deitada em sua cama, no quarto 41, Sabriny abre os olhos de manhã, se encontrando envolta pelos braços de seu amado, Philip.
— Dormiu bem? — perguntou o rapaz, ao notar sua noiva acordando.
— Acho que sim — respondeu, deslizando os dedos com unhas pintadas de preto por seus longos cabelos rosados. — Mas eu tive aquele sonho de novo.
— Hum… Qual deles? — questionou Philip, ao sentar-se na cama.
— Tudo ao meu redor era azul claro — começou a explicar a moça, enquanto levantava-se e passava a procurar suas roupas —, com névoa e nuvens, e raios de luz atravessando o horizonte. E essa… mulher em minha frente. Parcialmente transparente. Conversando comigo.
— E o que ela lhe disse?
— Não consigo me lembrar — respondeu ao colocar seu vestido preto. — Eu nunca me lembro. Mas só me recordo de seu nome — ela colocou a mão no queixo e sussurrou. — ...Ter-nu-ra?
O casal de noivos havia dormido até mais tarde e começava a preparar-se para o dia, mas alguns outros acadêmicos já conversavam no refeitório, enquanto tomavam café da manhã.
— Gostaria de um pouco de café, Meiling? — perguntou Elo, oferecendo o bule de café que tinha recém passado para a amiga.
— Tira isso da minha frente! — exclamou a outra. — Já não te disse que detesto café!?
— Gente, não precisa reagir assim não! Eu só estava oferecendo, mal-humorada…
— É assim mesmo, Meiling — concordou Haruna. — Com café não se brinca, tira essa nojeira da nossa frente, Elorayna!
— Bando de doidos… — sussurrou baixo a mesma, ao levar o bule e sentar-se numa mesa com Rogério e Nicolle. — Você gosta de café, não é Rogério?
— Gosto sim — respondeu o mesmo. — Mas se tem uma coisa que eu não suporto, são pessoas que colocam açúcar no café…
— Mas café é bom de qualquer jeito! — respondeu Elo.
— Eu até aceito tomar um pouco, mas prefiro chá — respondeu Nicolle.
— Bom, melhor deixar o açúcar de fora, ou não poderemos mais ser amigos — disse Rogério.
Enquanto isso, em uma área fechada próxima ao refeitório, a sala dos professores, Monique Schimmer Martins, nova governanta da Academia, conversava com seu novo colega de trabalho.
— E há quanto tempo mesmo o senhor trabalha aqui? — a mesma perguntou.
— Não muito tempo — respondeu Valdemir. — Fui contratado em 2015, ou seja, fazem apenas dois anos.
— Dois anos na Academia já é muito tempo, ou pelo menos é o que alguns consideram.
— Realmente, professores por aqui não costumam durar muito, por algum motivo — continuou o homem, enquanto servia uma xícara de chá e derrubava whisky no mesmo. — Mas, como a senhora sabe disso?
— Ouvi boatos — ela respondeu, curta.
— Agora que estou pensando… — raciocinava o professor, enquanto tragava a bebida — você disse vir aqui para uma vaga de governanta, vaga essa que nem estava disponível na época. No fim desse sorte e conseguiu o emprego, mas… o que realmente te trouxe à Academia?
— Talvez… — respondeu ela, se aproximando. — Talvez eu tenha ouvido boatos de um professor muito atraente que trabalhava por aqui, e quis conhecê-lo de perto. — Ela sorriu, piscando para Valdemir.
— Hahaha… — riu baixo. — To falando sério! Qual é a sua história?
— Hum… — pensou Monique. — Quarto 32, hoje a noite. Aparece por lá e eu te conto minha história.
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Durante a tarde, diversos acadêmicos se encontraram na Sala de Artes. Como Márcia havia infelizmente sido assassinada antes de poder iniciar seus planos de aulas para o semestre letivo, a aluna Sabriny decidiu tomar iniciativa e dar continuidade às suas propostas, buscando documentação do conteúdo no quarto da mesma e assumindo como "professora não oficial" da Sala de Artes. Afinal de contas, a mesma era formada em História da Arte.
Seis acadêmicos frequentavam suas aulas assiduamente, e o conteúdo do dia era um projeto de pintura em dupla. Virgilius e Lionel pintavam juntos um quadro sombrio cheio de imagens perturbadoras, enquanto Petra e Ava pintavam uma árvore em uma colina, já Haruna e Philip riam pintando um duende cheio de facas que pegava fogo.
Sabriny, vendo toda a animação dos colegas e pupilos, começou um tour pela sala observando e criticando construtivamente os trabalhos dos demais, primeiramente pela dupla de rapazes.
— Olha, parece que temos dois novos artistas macabros esse ano — comentou a jovem. — Está ficando muito bom! O que significa essa linha no meio da tela que quebra a imagem em dois?
— Ora, mas não é óbvio? — questionou Lionel, com um olhar sarcástico. — Essa linha representa o conflito entre os dois lados da obra, a parte escura e vermelha representando o demônio da morte, e a parte branca e azul que representa o anjo da vida.
— Ah... — suspirou Virgilius, cansado do colega de quarto. — É, isso aí.
A professora achou a obra interessante, sorriu e partiu para o próximo grupo de alunos.
— Como vocês estão, meninas? — perguntou alegre.
— Bem, a Petra desenha muito bem! — respondeu a mais velha.
— Ava! — exclamou a outra, um tanto envergonhada. — Estamos trabalhando juntas.
— Se juntas quer dizer você pinta e eu dou apoio emocional, está bem assim mesmo!
Sabriny riu de canto vendo como as pupilas estavam se dando bem uma com a outra, e passou para a dupla final, em que seu noivo fazia parte.
— E vocês dois, o que estão pintando? — perguntou, colocando sua mão no ombro de Philip.
— Decidimos unir nosso gostos — falou risonha Haruna, apresentando a obra.
— E raiva… — terminou o jovem.
Ao caminharem pelo corredor, Mês e Elorayna têm suas atenções chamadas por Meiling, que andava com o celular na mão, o balançando de um lado para o outro.
— Aonde vocês estão indo? — perguntou, guardando seu aparelho no bolso.
— Estamos a caminho da biblioteca para tentar fazer as tarefas do Professor Valdemir — disse Elo. — Vem com a gente!
— Ainda não conseguiu sinal, Mei? — perguntou Mês, preocupada.
— Não — respondeu a garota balançando a cabeça e seguindo as amigas. — Meu namorado deve estar tão preocupado! Já faz mais de um mês que ele não ouviu notícias minhas.
— Daqui a pouco ele aparece por aí! — adicionou Elo.
— Ah, você não o conhece — Mês balançou a cabeça. — Aquele lá jurou que nunca mais vai colocar os pés aqui!
— Ué, por que será?
— É uma longa história… — respondeu Meiling.
Chegando na Biblioteca, o trio não encontra a velha funcionária que normalmente está por lá. Ignorando esse detalhe, seguem para as mesas onde encontram, sentados com uma enorme pilha de livros em suas frentes, Nicolle e Rogério, que pareciam muito cansados.
— O que aconteceu com vocês? — questionou Elorayna.
— Esse trabalho do Professor! É muito chato e difícil. — reclamou Rogério, deitando a cabeça sobre os livros.
— Parece até que ele está se vingando da gente ter suspeitado dele — resmungou Nicolle, folheando um livro.
— Eu não duvido dessa hipótese — comentou Mês, pensativa, sentando-se à mesa.
— Ele é meio estranho, vocês já notaram que parece passar as noites em claro? — adicionou Mei.
— A-ham — concordou Elo.
Todos ficam quietos e procrastinando o trabalho de escrita, quando Elo puxa um assunto para quebrar o silêncio.
— Então, Rogério e Nicolle, vocês que são completamente novos aqui na Academia, o que estão achando? — se apoiou sobre a mesa esperando uma resposta.
— Sinceramente, estou um pouco decepcionada — disse Nicolle, tirando os olhos de seu livro. — Eu estava esperando um pouco mais dos conteúdos aqui trabalhados.
— Já eu estou gostando muito — respondeu Rogério levantando a cabeça —, todos são animados por aqui! Mas… o local é muito grande. Ainda tenho que me acostumar com onde ficam as coisas.
— Falando nisso… — complementou Nicolle. — Por que você não mostra para elas o que encontrou?
— Ah, sim! Quando eu estava explorando a biblioteca, uma das coisas mais interessantes que achei foi uma planta antiga do prédio.
O garoto levantou e foi até uma seção de pergaminhos, seguido por Mei, Mês e Elo, enquanto Nicolle ficou lendo seu romance vitoriano. Rogério mexeu em uma caixa aparentemente esquecida na última prateleira, e dela retirou cinco folhas longas, dobradas e amarelas. Ao desenrolar as mesmas, todos os quartos, salas, banheiros e passagens da grande mansão eram mapeados, de forma amadora.
— Olhem só como a casa é grande! — espalhou as folhas pelo chão. — Eu estava analisando isso às escondidas, mas acho que posso compartilhar com vocês.
— Nossa! Isso é muito legal, Rogério. — disse Senhorita Mei olhando os mapas.
— Obrigado por confiar na gente — sorriu Elo.
— Olhem que estranho isso — apontou Mês para um mapa do sótão, desconhecido para os acadêmicos.
— Tem salas lá em cima! — exclamou Mei. — Eu não fazia ideia!
— Nem eu! — falou Elo.
— Sério?! — disse surpreso o jovem.
— Por que será que essa sala é maior que as demais? — questionou Mês, observando a planta. — Quais os mistérios desse cômodo?
— Poderíamos ir bisbilhotar, mas não acho que vamos achar mais que coisas velhas e cheias de pó — refletiu Rogério.
— O sótão parece muito fechado, não gosto de ambiente assim — Elo completou, balançando a cabeça. — Eu passo!
— Eu também, estou quase terminando aquele trabalho — Rogério concluiu, gesticulando com as mãos. — Vou terminar ainda hoje!
— Isso é verdade, quando é a entrega? — perguntou Mei, confusa.
— Próxima aula, daqui uns dois dias — respondeu o rapaz.
O grupo voltou à mesa e, entre brincadeiras e resmungos, continuaram o trabalho.
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No meio da noite, no Quarto 31, Senhorita Meiling estava deitada mexendo em seu celular, enquanto Mês se revirava de um lado para o outro, com dificuldade de dormir.
— Acho que vou buscar uma água no Refeitório — disse Mês, se levantando.
— Tranquilo — respondeu a outra, focada no celular. — Dá um grito se precisar de alguma coisa.
A Majestade saiu do quarto, fechou a porta e olhou para a direção das escadas, mas em vez de seguir no caminho esperado, resolveu fazer uma pequena visita ao Quartinho, antiga moradia do falecido zelador Willy, e um cômodo atualmente desocupado na Academia.
— Estranho… — sussurrou ela — …eu acho que ouvi um barulho vindo daqui, mas ninguém deveria estar visitando este quarto.
Mês adentrou o Quartinho, acendeu uma luz, e observou o cômodo de uma ponta à outra. Como várias semanas já havia se passado, a maior parte dos pertences pessoais do antigo morador não estavam mais lá, no entanto, a área era bem diferente dos demais quartos da Academia. Com uma estante cheia de produtos de limpeza, um grande armário de parede a parede, escadas de mão, latas de tinta e caixas de madeira, era difícil imaginar que alguém poderia confortavelmente dormir ali.
Mas o que mais chamou atenção da jovem realeza foi quando ela olhou para cima. Em um dos cantos nos fundos do cômodo, era possível perceber uma mudança no relevo do teto, uma saliência quadrada lembrando um alçapão.
— Tá bom, é hoje que vou descobrir o que tem por aqui — disse a moça para si mesma, ao apanhar uma das escadas e colocá-la na frente do que observava.
Após subir as escadas, Mês colocou as duas mãos contra a saliência no teto e empurrou para cima com força, criando uma abertura para o que, graças ao tempo que passara com Rogério e os demais mais cedo, parecia ser o Sótão. Devido ao horário, era de se esperar que tudo estaria escuro nessa área desconhecida da Academia, mas para surpresa da aluna, ainda era possível enxergar o que lhe cercava, quase como se alguém tivesse acendido uma vela em algum canto da nova área.
— O-lá!! — exclamou a moça, ao puxar seu pequeno corpo para cima e começar a observar os arredores. — Tem alguém por aqui!?
Mês caminhou pelo Sótão, fascinada, à procura de quem poderia ter descoberto o lugar antes dela. Ela logo encontrou a entrada para uma outra biblioteca, que à primeira vista parecia tão grande quanto à principal da Academia.
— O que? Tem toda uma outra biblioteca aqui e ninguém sabe disso? — ela se perguntou, adentrando a grande sala escondida e observando as várias prateleiras ao seu redor. — "Literatura Céltica", "Bruxas de Salém", "Poções e Venenos" — ela lia em voz alta ao observar as diferentes categorias em que o conteúdo era organizado. — Que loucura! Eu preciso avisar a todos sobre isso aqui.
A jovem moça logo percebeu uma mesa redonda no canto da Biblioteca Secreta, com uma vela queimando, um livro aberto, e uma xícara com líquido até a metade. Ela caminhou até a mesa e começou a dar uma olhada no livro, em especial nas páginas em que estava aberto.
— Que estranho… — sussurrou ela. — É como se alguém recém estivesse lendo aqui, mas foi embora e deixou sua bebida pela metade. Vamos ver… — disse ela continuando a ler, e logo folheando por algumas páginas. As pupilas de Mês começaram a dilatar e sua expressão mudar de curiosa para aterrorizada. — Meu deus! — exclamou ela. — Eu preciso avis-
Antes de terminar sua frase, um dardo envenenado atingiu o pescoço da moça, paralisando a fala e fazendo-a cair de joelhos. Ainda consciente por alguns segundos, ela olhou à sua volta, logo percebendo quem fora responsável por seu infeliz destino.
A partir daquela noite, Mês nunca mais seria vista perambulando pela Academia.