Seu maior personagem
Monise
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 30/11/20 18:54
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 5min a 7min
Apreciadores: 3
Comentários: 2
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Palavras: 950
Este texto foi escrito para o concurso "Concurso Inspirações 2020" O intuito deste concurso é que os participantes escolham apenas e obrigatoriamente 3 (três) das 15 (quinze) frases disponibilizadas para este concurso, através destas frases escolhidas, devem redigir uma obra na qual as frases sejam inseridas no corpo do texto com originalidade. Ver mais sobre o concurso!
Não recomendado para menores de dezoito anos
Capítulo Único Seu maior personagem

Cansada, era tudo o que lhe vinha na mente.

Não suportava mais se sentir nula, insuficiente...

Sua vida aterradoramente, agora constatava, era um despropósito completo.

Usara sua energia, força, vitalidade e criatividade para ajudar a tantos... Seus textos, seus versos, uniam casais, eram responsáveis pelas mais doces histórias de amor, era o que lhe diziam seus milhares de e-mails de fãs de inúmeros lugares...

O que ninguém sabia é que ela sofria...

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...

Tristeza esparsa, remorso vão...

Era a senhora das letras, com toda certeza, mas era analfabeta no falar, no se relacionar fisicamente...

Muitos a consideravam a mestre do amor! Mal sabiam da verdade, triste e dolorida, sofrida verdade que lhe corroía dia a dia as entranhas...

Desde aquele fatídico dia em que o tio a forçara, tinha levado sua alma com ele... Se sentia suja, infeliz, culpada...

Quando finalmente decidiu denunciar, o trágico acidente: o tio, a esposa e os três filhos, morte instantânea, esmagados entre duas carretas.

Resolveu se calar, se falasse algo, já dava para imaginar que seria massacrada por difamar um finado pai de família.

Todavia, como doía o peso, o enorme peso daquele segredo.

Decidiu esquecer-se de tudo aquilo, fingir que nunca aconteceu!

Criou seu derradeiro personagem: a garota genial, escritora criativa, gênio juvenil e agarrada ao prazer ilusório da fama colocou todo seu ser na escrita.

Logo reconhecimento e fama internacional, um best-seller atrás do outro.

Por muito tempo sustentou seu personagem, só não conseguia quando alguém queria intimidade.

Aí se retraía e a cena vinha com toda sua dor, nojo e peso...

Fugia, mentia que já tinha um namorado e que ele era muito ocupado e não gostava da fama. Boa roteirista que era, caiam em mais uma história sua...

Na penumbra escura do quarto a verdade resplandecia, vermelha e pulsando sangue: quem sou eu?

Pensava em sua triste e mentirosa existência, se sentia ainda mais suja por enganar as pessoas assim...

Por quê a triste pergunta martelava sua mente e esmagava seu coração dorido?

É que, 'quem sou eu?' provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade?

Quem se indaga é incompleto.

Era isso que era: incompleta! Sentia a necessidade de alguém que tapasse a carência do toque e da paixão que em seus livros transbordava.

Quem poderia imaginar que a autora daqueles tórridos romances só havia conhecido o assalto, o roubo e o abuso da sua inocência?!

As imagens que descrevia, os diálogos, os versos nada mais eram do que seu mais profundo desejo...

Entretanto o medo, o trauma e a dor do segredo a tolhiam do tão almejado contato real e verdadeiro...

Assinei com lágrimas cada verso que lhe dei

Como se fossem confetes de um carnaval que não brinquei...

Queria, ah como queria, queria tanto, mas infinitamente mais temia...

Até que chegou aquele falante rapaz, era jovem, belo, cheio de vida! Parecia-lhe uma junção dos mais belos galãs de suas histórias...

Ele chegou de leve, com jeito, dizia ser seu maior fã e de fato sabia de cor tudo sobre ela...

Tinha uns 24 anos, um bebê! Mas como mexia com ela...

Parecia que a seguia, sempre aparecia por acaso com algo que ela apreciava e pouco a pouco foi roubando-lhe o coração.

Tanto medo ela sentia, seus instintos apitavam: "perfeição assim não existe ó doida!"

Todavia era tamanha a carência de anos de solidão... Trinta e cinco anos sem nunca ter sido beijada, apenas roubada da sua ingenuidade de menina...

Parecia que ele conhecia seu medo... Foi todo gentil, tão doce, tão calmo, tão mágico... E ela se deu esse pequeno prazer.

Vieram mais beijos e ela foi sentindo as correntes se soltando e um dia se tocaram e ela amou cada toque suave e calmo e já não se sentia mais tão suja...

E ele a foi envolvendo, amarrando em outras correntes camufladas de amor e cuidado.

Ela se sentia tão feliz, tão realizada que não ligou quando vieram alguns pedidos estranhos: dinheiro para o remédio da sogra que ela nunca viu, depois um socorro pra consertar o carro, um cheque voltou e ele não tinha como pagar o aluguel...

Ela foi socorrendo e o dinheiro nunca vinha de volta...

Um dia houve uma noite mágica, ele fez um jantar especial no apartamento de um amigo.

Bebidas, doces, streap-tease e um pedido de casamento!

Ela estava alegre e meio tonta da bebida, respondeu sim, prontamente!

Ele veio com os papéis do cartório para ela assinar e ela cega de amor assinou tudo sem ler.

Brindaram novamente e ela se sentiu mole, olhos pesados de sono.

Ele a carregou até a cama e a cobriu de beijos, a acariciou e antes que fizesse mais alguma coisa ela adormeceu profundamente...

Acordou cinco dias depois, no hospital, a família desesperada.

Todo dinheiro da conta havia sumido, o carro vendido e tudo de valor levado!

Ela não podia acreditar: novamente roubada!

Seus sonhos, suas esperanças, sua vontade de viver...

Voltou para casa, tristeza, dor, agonia... Nem o tio tinha sido tão cruel...

Vestiu seu melhor vestido, se arrumou, se perfumou.

Foi até o computador e escreveu um e-mail. Disparou para todos os seus contatos e editores.

Por quê a crueldade?! Por quê tamanha maldade?!

Esvaiu-se a esperança, a crença, o desejo de viver e vencer...

Meu desejo, era puro, impuros os que me feriram covardemente assim!

Só queria me sentir limpa, pura, completa...

Não queria mais ser vítima, queria viver de fato!

Toda uma existência ferida em dois atos:

Crueldade e abuso!

De mim fizeram seu uso...

Vivi e sobrevivi acorrentado ao medo o meu inocente desejo...

De vontade em vontade, crueldade!

O desejo morreu acorrentado na eternidade...

Às 22:30h lançou-se do parapeito do trigésimo andar.

❖❖❖
Apreciadores (3)
Comentários (2)
Postado 30/11/20 19:52

Outro fortíssimo candidado ao primeiro lugar... eu não queria estar na pele dos jurados :v

Que obra incrível! De fato, um aspecto diferente do escritor, pessoalmente bem mais profundo que a minha visão mais otimista. Um final triste e arrebatador

Parabéns!

Postado 30/11/20 21:33

Obrigada por tirar um tempinho para ler!

Fico muito feliz que tenha apreciado. :)

Postado 14/12/20 18:32

Amada Monise,

Tem tantos pontos interessantes na sua obra, que é impossível citar todos, primeira a estruturação dos parágrafos/estrofes, faz essa história de conteúdo tão turbulento, parecer deslizar para dentro de minha mente... Toda a dor e toda a jornada pra pobre escritora a levaram para um trágico fim, que desde o começo eu torci para não se concretizar... Mas tudo pela arte e pela poesia...

Sua narrativa bem estruturada nesta forma de poesia, muito fácil de se ler e compreender, ortografia e gramática regidas com perfeição, além de ter empregado muito bem as frases com perfeição, no ponto certo!

Tudo muito balanceado, muito bem escrito, meus mais sinceros parabéns e minha mais sincera gratidão por ter tirado um tempinho para participar deste concurso, amei sua obra!

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