Não Pare de Olhar
Victoria C
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 28/11/24 18:18
Editado: 29/11/24 09:08
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 10min a 13min
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Palavras: 1609
[Texto Divulgado] "Os Livros e Eu" Um homem narra seu relacionamento com os livros e com seus pais, desde menino até a maturidade. Considera-se este relato limpo do trágico que às vezes envolve certas existências. Quero dizer é um relato de uma vida ideal.
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Capítulo Único Não Pare de Olhar

“A loucura é um labirinto sem fim, onde o caminho de volta é sempre incerto.”

– Edgar Allan Poe

XX/XX

05:00

Eu sei que alguém está me observando. Afasto a cortina, deixando apenas uma brecha para conseguir olhar a janela à minha frente. Sinto meus pelos do corpo eriçarem quando vejo a cortina do apartamento à frente se mexer, quase imperceptível. Mantenho meus olhos fixos, até começarem a arder, mas não desvio. Minha mão direita, agarrada no tecido pesado da cortina, treme. Eu sei que alguém está me observando, mas ainda não sei quem.

Desvio minha atenção quando o alarme do smartphone toca, anunciando ser 5:00. Deixo a cortina blackout fechar totalmente o ambiente, produzindo um espaço escuro. As luzes não são ligadas desde a noite em que percebi que alguém estava me observando. Levo os dedos da minha mão esquerda até a boca, roendo as unhas. Elas começam a sangrar. Mesmo sem ver o líquido avermelhado, sinto o gosto pungente de ferro na boca, cuspo no chão de porcelanato e sigo para o quarto. Escuro, assim como toda a casa. Tateio até a mesa de cabeceira, retirando dali o que eu sabia que encontraria.

Engulo três pílulas. Sento na cama, minhas mãos ainda tremem e o meu corpo as acompanha. Sinto-me vigiada até mesmo no quarto, como se quem quer que esteja me observando pudesse olhar através das grossas paredes de concreto. Deito no colchão macio, os olhos ainda abertos, mas dessa vez olhando para o teto, que agora eu só consigo imaginar ser branco. Ainda que meus olhos queiram fechar, forço-me a mantê-los abertos. Por um instante, enquanto brigo com a biologia do meu corpo, escuto um som vindo da sala de estar, onde está a janela. Meu corpo tensiona. Levanto da cama, correndo pelo corredor escuro, batendo nas paredes dos dois lados. Por instinto, vou até a janela, agarro o tecido com as duas mãos, como se, dessa forma, nada pudesse entrar ali. Olho ao redor, mesmo sabendo que é ineficaz, uma vez que está tudo escuro.

— Quem está aí? — grito para a escuridão. Mas ninguém ou nada me responde. Ouço apenas o som da minha respiração desregulada e, por alguns instantes, parece que a respiração que eu ouço não é mais minha; é como se estivesse vindo de outro lugar.

Viro a cabeça para os lados, as mãos para trás, agarrando a cortina.

— Eu sei que tem alguém aqui — falo, mas até a minha voz parece não ser mais minha, como se eu a estivesse ouvindo como telespectadora.

E se eu estiver imaginando tudo?

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Sinto gotículas de suor se formando na minha testa, o tecido em cima da cama está grudando no meu corpo, visivelmente encharcado com o meu suor. Sento na cama e olho para o relógio digital, que emite uma luz. Apenas dessa forma conseguiria ver, sinalizando o horário. Já é noite. Parece que os dias se confundem, as horas passam rápido, e quando percebo, estou no mesmo lugar: a janela. Antes de levar a mão até a cortina, respiro tentando regular minha respiração, que desde ontem está descompassada. Silencio, a fim de ouvir algo; talvez alguém tenha entrado na casa, mas isso seria impossível. Quem faria isso de dia? Por isso, durmo nesse horário, é mais seguro, enquanto à noite o perigo se espreita pelas janelas de apartamentos.

Lembro que esqueci as pílulas, mas não tem problema, ontem ingeri três, isso vai ter que compensar. Arrasto lentamente o tecido para o lado, as luzes dos postes tremeluzem e percebo que está chovendo. Semicerro os olhos para a janela do apartamento à minha frente, paro de respirar subitamente quando percebo algo. Solto a cortina e lanço meu corpo para trás, despencando no chão gelado. Começo a me arrastar, afastando-me da janela. Não pode ser. Isso é impossível. Levo as mãos à cabeça, seguro o cabelo desgrenhado. É impossível. Começo a sussurrar. Impossível.

Meus olhos percorrem a escuridão ao meu redor como se pudessem reconhecer onde estou. Dizem que os olhos se acostumam quando se está muito tempo na escuridão, mas comigo ocorreu o contrário; eu nunca me acostumei. Não enxergo nada. Levanto apressada, correndo para as paredes em busca do interruptor, mas antes de encontrá-lo, uma voz quase como estranha surge na minha cabeça. Não ligue, ela diz. Afasto-me da parede e corro para a janela. Eu não posso parar de olhar. Tem alguém me observando. Eu não posso fechar a cortina. Abro a cortina. A água da chuva batendo violentamente contra o vidro da janela, mas é impossível que eu não reconhecesse a fachada do meu próprio apartamento e é justamente o que vejo do outro lado. Não é mais o apartamento de ontem, mas sim o meu. Como se eu já não estivesse mais lá, mas sim no apartamento da frente.

Paraliso. Antes que eu perceba, vejo que alguém está me observando do outro lado. Aproximo mais meu rosto do vidro, a chuva minguando cada vez mais. Noto que a pessoa na janela do meu apartamento está com os olhos vidrados em mim. Só então percebo que estou mirando meu próprio reflexo no vidro, mas antes que eu possa me afastar, a cortina do apartamento do outro lado se fecha abruptamente. Se eu não estou imaginando, então isso é real.

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Expiro, puxando oxigênio como se estivesse presa sem ar. Saio da cama, o relógio marca o mesmo horário e data de ontem. Foi apenas um sonho? Está tudo bem, digo para mim mesma. Mas ouço outra voz que diz: "Não está tudo bem." Bato com a mão fechada repetidamente na minha cabeça tentando fazer essa voz sumir, enquanto caminho de um lado para o outro no quarto.

Eu não vou olhar pela janela, sussuro. Olhe pela janela, a voz diz. Não. Balanço a cabeça, negando. Mas ela não para. Nego mais uma vez, fecho os olhos, abro-os, olho para o relógio digital que mostra o mesmo horário e data de ontem, quando acordei. Deixo meus olhos presos ali, como se aquele aparato tecnológico tivesse a resposta para o que está acontecendo. Eu estou bem, falo mais uma vez, mas a voz continua a negar.

Corro para a janela, esperando perceber que estou no apartamento errado, mas quando abro, vejo que estou no meu apartamento. Talvez tenha sido um sonho. Sorrio e me permito soltar uma risada esganiçada. Solto o tecido e corro para o quarto novamente, encontro as pílulas, retorno para a janela, observando lá fora. Engulo uma pílula, ainda sorrindo, um fio de baba desliza pela minha boca, limpo com o dorso da mão. Está tudo bem, falo eufórica. Mas não está.

Atrás de mim, ouço o chiar da televisão. Viro para trás abruptamente, assustada. Na tela, um filme roda e um rosto começa a se aproximar, me observando. Corro, desligando o aparelho. Bato na minha cabeça novamente. Quando volto para a janela, percebo que três cortinas deslizam quase de forma imperceptível e, mesmo que eu não veja ninguém, sei que existem pessoas me observando.

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Eu não dormi. Meus olhos continuam abertos, meus dedos firmes, agarrando o tecido da cortina, enquanto meu rosto está colado no vidro gelado. Aproximo ainda mais, amassando meu rosto. Minha respiração fica entrecortada, mas eu não posso parar de olhar. Quando pisquei no último minuto, mais cinco cortinas se abriram. Estão me observando, eu não posso parar de olhar.

Você não pode parar, a voz fala. Dessa vez, balanço a cabeça de forma afirmativa: eu não posso parar. Atrás de mim, na escuridão do meu apartamento, ouço sons de passos, como se estivessem se aproximando de mim, mas eu não desvio minha atenção. Eu sei o que vocês estão tentando fazer, grito para as janelas do outro prédio.

A sensação de estar sendo observada de dentro do meu próprio apartamento começa a crescer. Eu não vou parar de olhar, soco a janela. O vidro é resistente e nem ao menos treme. Bato novamente. Os passos cessam.

Eu estou no controle, vocês não. Sinto uma satisfação instantânea, como se tudo estivesse voltando ao normal. Rio, esperando que quem quer que esteja me observando perceba que eu não vou parar de olhar.

Ainda estou com o olhar fixo lá fora, quando ouço o alarme do smartphone, 5:00, mas pode não ser, talvez esse seja apenas o som que já está na minha cabeça. Não são 5:00, repito, ainda que pareça que o dia está se tornando mais claro. Quantas horas ou minutos se passaram? Talvez apenas poucos minutos. O som estridente do alarme não para, sinto minha cabeça latejar. Para de tocar, grito. Levo meus dedos à cabeça, coçando o couro cabeludo. Algo líquido começa a escorrer pelos meus dedos. Eu sei que é sangue. Não posso parar de olhar, penso. As pílulas, eu as tomei?

Minha mente está tentando me distrair. Outra cortina se abriu. Quando eu parei de olhar? Sinto meus olhos lacrimejarem, mas não é porque estou olhando fixamente há tanto tempo, talvez seja desespero. A angústia aumenta dentro de mim. Dessa vez, bato a cabeça no vidro. Antes que eu consiga voltar meu olhar para o prédio à frente, todas as luzes do meu apartamento se acendem. Fecho a cortina.

Eles não podem me ver. Corro para os interruptores, desligando cada um, até restar o da cozinha. Mas assim que levo meu dedo até ele, vejo um pedaço de papel em cima da bancada de mármore branco:

“Por que você parou de olhar?”

Meu corpo se volta para trás, em direção à janela. A cortina não cobre mais o vidro e, quando olho para a fileira de janelas do prédio à frente, percebo que todos estão me observando.

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Notas de Rodapé

Obrigada por ler até o final!

Apreciadores (1)
Comentários (1)
Postado 28/11/24 23:37

Isso é que é terror psicológico. Eu achei muito interessante como você apresentou a intensificação da paranóia com o decorrer da narrativa. A epígrafe combinou perfeitamente.

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