O animal aprende primeiro a pedir ajuda. Ele nasce e chora. Cães filhotes choram pela mãe. Gatos filhotes choram pela mãe. Os pássaros no ninho choram pela mãe. A aranha protege sua ooteca — já se ouviu som de aranha, quanto mais de pequenas aranhas? Poucas devoram os filhos, mas é comum. Ouve-se de cadelas que comem os bebês, de gatas e de outros animais. Comem-nos por doença. Ou por falta de filhotes. Ou por demais razões.
A gata aprendeu a pedir ajuda. Foi a primeira coisa que aprendeu. A coruja chegou pelo ar e devorou os filhotes da mãe gata; apunhalou-lhes os olhos pequenos apertados uns nos outros — e nenhum deles viu o pássaro vindo por cima. Os gatinhos não viram nada e não ouviram nada. O primeiro ser que conheceram foi a dor. Depois, a morte. A gata lutou contra a coruja e pelos seus filhos mortos pediu ajuda no portão. Pegou o que sobrou e o deixou na porta da casa; miou, chorou, aos prantos. Devolvam meu filhinho, chamava, e aceitou colo de outra mãe.
Poucas devoram os filhos, mas é comum. Cadelas, gatas, leopardos, leoas. O animal aprende primeiro a pedir ajuda, mas quando pedi, não recebi nenhum conforto. Recebi rancor.
As serpentes chegaram pelo mar e comeram os filhos do sacerdote; mastigaram-nos os membros com as mandíbulas — e depois engoliram-nos. Talvez eles tenham pedido ajuda, afinal o animal aprende primeiro a pedir ajuda. Laocoonte vê o fim inevitável e, ainda assim, tenta tirá-las de seus filhinhos. Quando pedi ajuda, não tentaram me tirar de onde estava. Fui atirado aos cães.
O animal aprende primeiro a pedir ajuda, mas quando pedi, não recebi amor algum. Recebi dentes. Recebi correntes. Recebi serpentes.
Os cães me olham com fascínio. Em seus olhos vermelhos bate o pulso do ódio. Em suas patas pretas escorre o fio da mágoa. Em suas gargantas fulvo ribomba o trovão da mágoa. Os cães balançam as cabeças: atire-a a nós, pois temos fome de gente! Temos alma de gente! A sua dor dói como a nossa.
As ninfas de grilo estão penduradas pelas cortinas. É de manhã e há um pesadelo terrível encrustado pelas paredes. Os cães balançam as cabeças, resfolegam, choram, desfazem-se em borboletas negras sobre as brasas moribundas no fogareiro. As ninfas cobrem o chão nu, saltitam pela casa, atiram-se nas janelas. Ali, são moscas, que se esvaem no sopro da chaleira fervente. A casa, no entanto, permanece gelada.
Os cães ainda me chamam pelas paredes frias; rosnam, ganem, latem: não nos esquecemos! Não nos esquecemos! A sua dor dói como a nossa. Os grilos dão crias o ano inteiro, e em minha casa há ninfas pelas cortinas. Os cães balançam as cabeças. Eles têm fome de gente. Nós temos alma de gente. Não nos esquecemos. Não esqueceremos. Nunca.