Nada, nunca
Holzwarth
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 09/06/24 22:37
Editado: 09/06/24 22:48
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 2min a 3min
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Palavras: 466
[Texto Divulgado] "O Escritor Pobre" Ele tinha um sonho: ser escritor. Arrumou um emprego e com o salário passou a comprar livros. Lia muito e escrevia muito também. Suas ficções lhe davam prazer. Um dia ganhou um prêmio. Mas continuou pobre.
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Notas de Cabeçalho

cachorro.

Capítulo Único Nada, nunca

O animal aprende primeiro a pedir ajuda. Ele nasce e chora. Cães filhotes choram pela mãe. Gatos filhotes choram pela mãe. Os pássaros no ninho choram pela mãe. A aranha protege sua ooteca — já se ouviu som de aranha, quanto mais de pequenas aranhas? Poucas devoram os filhos, mas é comum. Ouve-se de cadelas que comem os bebês, de gatas e de outros animais. Comem-nos por doença. Ou por falta de filhotes. Ou por demais razões.

A gata aprendeu a pedir ajuda. Foi a primeira coisa que aprendeu. A coruja chegou pelo ar e devorou os filhotes da mãe gata; apunhalou-lhes os olhos pequenos apertados uns nos outros — e nenhum deles viu o pássaro vindo por cima. Os gatinhos não viram nada e não ouviram nada. O primeiro ser que conheceram foi a dor. Depois, a morte. A gata lutou contra a coruja e pelos seus filhos mortos pediu ajuda no portão. Pegou o que sobrou e o deixou na porta da casa; miou, chorou, aos prantos. Devolvam meu filhinho, chamava, e aceitou colo de outra mãe.

Poucas devoram os filhos, mas é comum. Cadelas, gatas, leopardos, leoas. O animal aprende primeiro a pedir ajuda, mas quando pedi, não recebi nenhum conforto. Recebi rancor.

As serpentes chegaram pelo mar e comeram os filhos do sacerdote; mastigaram-nos os membros com as mandíbulas — e depois engoliram-nos. Talvez eles tenham pedido ajuda, afinal o animal aprende primeiro a pedir ajuda. Laocoonte vê o fim inevitável e, ainda assim, tenta tirá-las de seus filhinhos. Quando pedi ajuda, não tentaram me tirar de onde estava. Fui atirado aos cães.

O animal aprende primeiro a pedir ajuda, mas quando pedi, não recebi amor algum. Recebi dentes. Recebi correntes. Recebi serpentes.

Os cães me olham com fascínio. Em seus olhos vermelhos bate o pulso do ódio. Em suas patas pretas escorre o fio da mágoa. Em suas gargantas fulvo ribomba o trovão da mágoa. Os cães balançam as cabeças: atire-a a nós, pois temos fome de gente! Temos alma de gente! A sua dor dói como a nossa.

As ninfas de grilo estão penduradas pelas cortinas. É de manhã e há um pesadelo terrível encrustado pelas paredes. Os cães balançam as cabeças, resfolegam, choram, desfazem-se em borboletas negras sobre as brasas moribundas no fogareiro. As ninfas cobrem o chão nu, saltitam pela casa, atiram-se nas janelas. Ali, são moscas, que se esvaem no sopro da chaleira fervente. A casa, no entanto, permanece gelada.

Os cães ainda me chamam pelas paredes frias; rosnam, ganem, latem: não nos esquecemos! Não nos esquecemos! A sua dor dói como a nossa. Os grilos dão crias o ano inteiro, e em minha casa há ninfas pelas cortinas. Os cães balançam as cabeças. Eles têm fome de gente. Nós temos alma de gente. Não nos esquecemos. Não esqueceremos. Nunca.

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Notas de Rodapé

pintura do goya na capa. enigmática. au au au.

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