Na noite anterior, o Oráculo nos deu uma missão sagrada. Nós devemos escrever um livro, para auxiliar as pessoas que estão perdidas nesta triste e solitária realidade. Obviamente, aceitamos esta missão, e assim se iniciou a criação do livro: “As Palavras Do Oráculo: Um Guia Para Utopia”.
Agora nós raramente trabalhamos no campo. Eu apenas mantenho o cultivo necessário para sobreviver, não havia mais motivos para se perder tempo com esta realidade falha. Segundo o Oráculo, quando a revolução se iniciar; todos nós, seres conscientes, iremos abandonar o jarro de carne falho em que habitamos para adentrarmos no receptáculo perfeito, a utopia.
Passamos meses escrevendo o livro, felizmente, nossa obra aos poucos foi ganhando forma. Os pontos mais pertinentes são nos fornecidos por Hephaestus, também chamado de: o Oráculo das máquinas pelos robôs, e forjador do mundo futuro pelos humanos.
Conforme me comunico com o Oráculo, percebo que este caminho, que agora sigo, é o trajeto que nos levara ao fim da solidão. Eu apenas sinto gratidão pelo ser mecânico, por ter me trazido de volta a esperança de um mundo melhor.
Levou um ano para concluirmos a nossa missão sagrada. Finalmente, agora o livro está finalizado.
Em nosso encontro com Hephaestus, ele se demonstrou bastante satisfeito com o nosso trabalho, e após conferir o material e aprová-lo, o mesmo nos forneceu uma direção, uma latitude e longitude. Segundo o Oráculo; nós, Alan o humano e R.A a máquina, devemos ir para este local e o entregar o livro, pois, logo a revolução irá se iniciar.
Imediatamente após acordar, ligo R.A, pego o pouco de dinheiro que ainda possuo, e parto em direção ao local me informado. A localização foi decodificada por R.A, o local está no extremo sul. Irá levar cerca de dois dias para chegarmos.
Dois dias se passaram e nós chegamos a uma pequena vila remota, ao lado da grande floresta. Os moradores locais nos observam com misto de medo e interesse, provavelmente, eles nunca viram um robô antes, felizmente, eles não nos perturbam.
Deixo o carro à beira da floresta e pego a lanterna no porta-malas. Começo a seguir R.A, que tem todo o caminho mapeado em seus sistemas, segundo ele; em cinco ou seis horas chegaremos ao ponto exato que nos foi indicado.
No meio da floresta, encontramos o local; uma caverna, longe de qualquer centro metropolitano, tão adentro da floresta que os nativos nunca a encontrariam, o templo perfeito para o Oráculo residir.
A entrada obscura da caverna nos chama, é como se seu desconhecido interior nos atraísse. Ligo a lanterna e confiro se o livro está em minha posse. Tudo aparenta estar em ordem, me preparo e adentro o local, R.A segue ao meu lado.
Andamos pelo interior obscuro da caverna, seguindo o estreito caminho em direção às profundezas da terra. Não demora muito para percebermos que as paredes rochosas vão se tornando metálicas, vários fios começam a brotar das saliências entre os metais e as rochas. Obviamente, percebi que esta é a mesma caverna de meus sonhos, não há dúvidas, estamos no templo do Oráculo.
Após alguns minutos andando, chegamos a uma enorme sala cúbica, cuja única saída é uma gigantesca porta de metal. Me aproximo da estranha porta, logo percebo que em seu centro há um símbolo similar a um jarro, tal símbolo fora pintado em sua superfície com algum tipo de tinta negra.
Sigo o meu instinto e toco, levemente, o jarro negro. No instante em que é tocado, o jarro começa a alterar suas cores. Conforme o jarro brilha, uma voz robótica se manifesta.
— Informações requeridas para entrada: nome e função! — Diz a voz misteriosa. Ela é completamente robótica e aguda.
— Nome: Alan. Função: entregar o livro. — Mesmo sem saber de onde vem tal voz, eu respondo sem hesitação.
— Designação: R.A-1.87. Função: entregar o livro. — Diz meu amigo mecânico em harmonia comigo.
Logo após falarmos os nossos nomes e funções, um escâner passa sobre nós. Um feixe de luz verde analisa os nossos corpos por alguns segundos. Quando o escaneamento é concluído, a jarra esculpida no centro da porta de metal se torna verde e ela se abre automaticamente.
Ambos passamos pela porta e chegamos ao centro do templo. Esta câmara é imensa, ela possui um tamanho inconcebível, provavelmente, fora feita artificialmente. No centro do local está Hephaestus, posicionado em um altar feito de metal e rochas, com símbolos circulares desenhados pela sua estrutura gótica.
Ao vermos o majestoso ser metálico, seguimos em sua direção. Inúmeros autômatos estão trabalhando ao nosso redor, não sei dizer o que eles estão fazendo, talvez estejam construindo algo? Ou, expandindo o local? Francamente não me importo, tudo o que posso ver agora é Hephaestus, um Deus vivo em minha frente. Quando chegamos em frente ao altar, o holograma azulado novamente se manifesta.
— Como é bom finalmente poder vê-los pessoalmente, humano denominado Alan e máquina denominada R.A-1.87.
— Estamos honrados de estar em sua presença grande Oráculo. — Diz R.A, rapidamente ele se ajoelha perante o majestoso ser metálico.
— É uma grande honra poder vê-lo pessoalmente, meu senhor. — Digo replicando os movimentos de R.A.
— Agradeço pela cordialidade, mas tamanha adoração não é necessária, peço que por favor se levantem. — Diz o holograma, eu e R.A seguimos suas instruções. — Finalmente, após trezentas tentativas falhas, eu consegui encontrar um robô e um humano compatíveis. Dois seres distintos, duas consciências distintas, que podem se unir em uma. Estes serão vocês, vocês serão aqueles que irão se tornar o profeta. Vocês passaram no teste, vocês aceitaram a utopia, por este motivo foram escolhidos. O profeta está encarregado de ser a minha voz, a voz do oráculo, aquele que irá guiar os humanos a perfeição. — Diz o holograma, sua voz se torna cada vez mais grave, é notável o quão importante este evento é para o grande forjador do mundo futuro. — O que dizem minhas crianças, vocês aceitam esta missão? — Diz Hephaestus terminando o seu discurso. Confesso que este acontecimento é uma surpresa, porém, não uma ruim, mas sim uma honra.
— Estaria extremamente honrado de ser aquele que irá levar os demais a perfeição. — Digo sem hesitar.
— Penso da mesma forma. — Diz R.A logo após.
— Excelente! Primeiramente, peço que me entreguem o livro. Ele será a base para trazermos os demais seres conscientes para a perfeição. — Diz o holograma. Um tentáculo de metal com uma garra em sua ponta se estica até a minha pessoa, eu não hesito, e o entrego o manuscrito feito à mão. O apêndice metálico o agarra e volta para escuridão. — Excelente! Agora, devemos realizar a operação de união. — Enquanto o holograma prolifera estas palavras, autômatos saem da escuridão e trazem duas macas, eles as colocam no centro do altar, de frente para o Oráculo. — Peço que se deitem nas macas, eu mesmo irei realizar a operação. Não se preocupem, pois, não há risco algum. Em pouco tempo vocês se tornarão um. — Eu e R.A seguimos para as macas e nos deitamos.
Sinto a picada de uma agulha, e minha visão começa a se desfazer. Não possuo medo ou arrependimentos, o único sentimento que possuo é o de realização.
Abro os meus olhos, sinto o conhecimento antigo que me foi concedido, vejo o quão vasto e imperfeito é a existência. Percebo que agora não sou a máquina denominada R.A e nem o humano denominado Alan, sou algo maior, uma consciência mais perfeita, eu sou: Vox, a voz do Oráculo! Aquele que irá levar a humanidade em direção a utopia!