As garras agarravam o véu nebuloso que se formava ao seu redor. A boca deformada se abriu em um sorriso e os dentes pontiagudos foram expostos para todos os sonhos a sua frente.
A coloração completamente preta de sua pele contrastava com a grama de um dos véus a sua frente.
Cheirava absolutamente delicioso.
Cheirava a felicidade, a grama recém cortada, ao conforto familiar que a família no sonho exibia. Cheirava algo que ele talvez ansiasse, que não sabia que desejava.
Ele teria.
Ficou suas garras no meio do véu, o que antes era verde escureceu como piche.
Sua cabeça se retorceu de prazer, e um pequeno gemido quebrado saiu de sua garganta semi-desenvolvida. Suas unhas pontudas continuavam a contaminar o sonho.
Onde antes existia uma família, agora estava uma imagem turva no pequeno lago. Seu corpo se erguia da água escura, e onde ele pisava a grama morria. A família não conseguia se mexer. O que era antes o cheiro do conforto familiar, agora só existia horror.
Ele (podia? Talvez?) odiava essa parte.
O sonho acabou com todos estirados na grama e ele sozinho em meio a paisagem negra.
O remorso guerreava com o prazer temporário.
Remorso por ter contaminado mais um sonho para sentir uma pitada de tudo oq que os humanos tinham o privilégio de ter e prazer por ter tido novamente um gostinho do que ele não poderia sentir.
O véu do sonho se desfez em suas garras quando o humano acordou. A criança passaria por isso, amanhã ela teria outro sonho delicioso. Mas ele a deixaria em paz por alguns poucos dias, afinal ela era sua predileta.
O conforto familiar era seu predileto.
Fincou as garras em outro sonho, completamente luxurioso. Ele também gostava desses.
Não havia sono para ele, não havia descanso pois não havia cansaço. O ser quase senciente vagava pela paisagem de véus que eram sua morada.
O véu a sua frente era diferente, ele sabia. Sua aura já tinha irradiado permanentemente para o humano que dormia do lado de fora, já era quase um pesadelo.
Talvez ele se sentisse orgulhoso, se pudesse sentir algo além do que os sonhos proporcionavam.
Suas garras já estavam fincadas antes que percebesse, e o sentimento de terror instantâneo era novo. Esse humano já deveria temê-lo.
Que pena.
O ambiente escuro a sua volta impedia de ver a imagem completa da criatura, não que algo fosse diferente se fosse mais claro.
Seu único objetivo era contaminar todos os sonhos.
Ele foi criado para a destruição, a escuridão era seu lar, assim como os sonhos que ele destruía apenas pelos poucos segundos de sentimentos que era incapaz de sentir.