Salem, 25 de Janeiro de 1692.
A mulher diante de mim olhava-me ansiosamente, enquanto eu encarava de maneira focada a palma de sua mão. Se a euforia dos homens alcoolizados no bar não fosse tão grande, ela ouviria meu salto batendo contra a madeira do assoalho desinteressadamente. Passo um dos dedos na palma da mão de minha cliente, explorando as linhas em busca de algo que não faço ideia do que seja. Os anos de prática fizeram-me desenvolver um ótimo senso de interpretação, por isso, quando fechei os olhos e respirei fundo, como se alguma energia divina houvesse caído sobre mim, ouvi um suspiro de horror escapar da boca da mulher. Abri os olhos e dramaticamente soltei a mão de Martha, que empalideceu diante do meu olhar obscuro de quem não traz boas notícias.
Juntei as mãos em frente ao corpo, balancei a cabeça negativamente e disse sem hesitação:
— Você vai morrer.
A mulher branca que já estava pálida ficou a um ponto de tornar-se transparente, pois tamanha foi a sua surpresa. Contive a vontade de rir respirando fundo e me concentrando apenas no dinheiro que ela teria. Martha sussurrou chorosamente:
— Quando?
Nem mesmo se Jesus fosse até aquele lugar sórdido eu saberia a resposta, mas contive o grosseiro comentário para mim. De repente, o bar ficou silencioso e paralisado. Meu corpo se petrificou e senti meus olhos abruptamente virarem, enquanto uma voz distorcida sussurrava em meu ouvido as palavras que saíram de minha boca sem consentimento:
— 22 de Setembro de 1692.
A sensação de torpor subitamente desapareceu e tudo ao redor ganhou vida mais uma vez. Senti um sutil gosto de sangue em minha boca e, quando meus dedos tocaram a superfície da pele, notei um intenso sangramento em meu nariz. A mulher abruptamente se levantou e, jogando um pequeno saco com moedas na mesa, fez o sinal da cruz em minha direção e saiu correndo do bar.
Já se passava das três da madrugada, então ninguém se interessou pela saída dramática de Martha Corey. Além disso, o canto isolado do bar proporcionava privacidade. Senti meus músculos relaxarem e, quando o sangramento parou, recolhi minha pequena bolsa e me dirigi à saída dos fundos, ainda sem entender o que havia acabado de acontecer.
Salem, 26 de Janeiro de 1692.
Após o acontecimento da noite anterior, não consegui dormir. Eram novamente três da madrugada e eu estava encolhida em uma manta em frente a lareira, tremendo compulsivamente. Os ventos da nevasca faziam sons estrondosos nas janelas, mas nada conseguia ser mais alto do que as batidas assustadas de meu coração. O corpo cansado gritava por descanso, enquanto meu cérebro e meu instinto não paravam de me dizer que eu corria um iminente perigo.
É verdade que minha vida nunca fora exemplo de honestidade, afinal sempre enganei meus clientes com falsas profecias sobre o futuro para ganhar dinheiro, mas nunca utilizei meios místicos para tal. Eu era conhecida em Salem por nunca ter errado, mas isso derivava do fato de que sempre me atentei nas fofocas e no estado de saúde das pessoas que me procuravam. Se alguém vinha me procurar para saber se uma criança com seis dias de febre sobreviveria ou não, é óbvio que minha resposta não poderia ser nada além de não. Se tratava de lógica e fatos, não de previsão e profecias. No entanto, o ocorrido da noite anterior fora maligno e tudo o que se sucedeu depois daquilo, também. Três corvos haviam quebrado o pescoço aos arredores da casa e eu não precisava ser bruxa para saber que isso significava mau agouro.
De repente meu corpo ficou muito pesado e sinto o sangramento em meu nariz novamente. Minha visão torna-se turva e tudo fica branco. Sinto uma sutil proximidade em meu ouvido e, por mais que o controle houvesse se esvaído de meu corpo, foi impossível não sentir todos os meus pelos eriçarem-se quando a voz cantarolou:
19 julgados serão enforcados
Por flertar com o Diabo.
Mulheres inocentes nadarão no fogo,
Enquanto homens demoníacos as fazem queimar.
O Diabo não corromperá os homens que são seus amigos,
Mas, sim, as mulheres de corpos frágeis.
Intrigas se tornarão chacinas.
A Igreja levará tudo a cinzas.
Sangue derramado e corpos queimados.
Salem se tornará o novo antro do Diabo.
Meus olhos se abrem, assustados, mas percebo que meu corpo, antes no chão, passava a levitar, pois tamanha era a proximidade com o telhado. Antes que eu pudesse gritar, meu corpo é arremessado de volta ao chão. Caio com os braços abertos e sem ar pelo impacto, mas sinto um súbito calor na mão. Olho para o lado. Minha mão direita está no meio das chamas… sem queimar.
Neste momento, soube que eu estava predestinada a morrer, mas restava saber se seria pelo fogo ou pela queda.
O quando não era necessário. Afinal, todas as profecias se cumprem em algum momento.
Salem, 10 de Junho de 1692.
— Por haver praticado bruxaria e tentado prever o futuro, considera-se Bridget Bishop culpada.
Os gritos eufóricos atrás de mim concretizavam a vitória do puritanismo que justificava justiça com chacina. Após o acontecimento em minha cabana, naquela fadada noite de Janeiro, Salem tornou-se um inferno. Uma caça às bruxas começou e eu fui condenada à morte por enforcamento, pois meus clientes relataram ao júri sobre minhas práticas de leitura de mãos.
Então a morte será por queda, pensei, enquanto dois homens levavam-me ao local de meu perecimento.
Quando a corda foi colocada ao redor de meu pescoço, meu corpo foi tomado por uma fúria descontrolada, quando ouvi todos gritarem:
— Enforquem a bruxa!
Antes que eu pudesse responder, meu corpo foi empurrado do segundo degrau e meus pés se debateram raivosamente, enquanto o ar começava a se esvair.
A queda não fora grande o suficiente para me matar com rapidez, mas a ignorância humana, sim.
Após três minutos agonizando, minha alma foi liberta do sofrimento, enquanto as sombras me levavam carinhosamente para a eterna condenação.