Fui o resultado de duas pessoas que só tinham a opção de ser aquilo que foram em vida. Sou a mistura de dois barracos de madeira a beira de um rio deplorável. Serei o grafite que nunca se tornará diamante.
Pedi para entregar essa carta a você, minha paixão, pois sei que será a única que lerá com o amor aquilo que eu escrever. Nesse momento você já sabe, mas não sinta culpa, você foi a única que desde o início sofreu com a nostalgia do meu futuro, e mesmo sabendo o fim, desde o início não deixou de me enxergar como eu sou: um conquistador.
Eu disse que iria conseguir dominar tudo. Eu disse que iria conquistar a preta. Eu disse que iria fazer as pessoas temerem meu nome. Você me ouvia e brigava, me ensinava português e matemática, e depois que eu te cansava, eu via você chorando no quarto. Em casa, você me dava amor, me ensinava o que era certo e errado, fazendo questão que a maioria das noites eu dormisse na sua cama, onde me agarrava e não soltava.
Por alguns segundos, eu sentia nesse abraço que o mundo poderia ser um lugar onde todos fossem iguais, onde o amor das crianças seria o amor dos adultos também e, quem sabe aquele cara lá de cima descesse e dissesse que acabou a guerra. Mas ela nunca acabou. Eu nasci no meio dela e por fim, vou morrer lutando acreditando que o poder na mão de um preto, seja qual for o tipo de poder, tem mais valor que na mão de um branco. Só nós sabemos o que é ser olhado torto. Que olhem. Temam. Levantem suas armas contra nós. Eu só pararei quando essa diferença acabar e a favela ser respeitada.
Mãe, eu juro para senhora que aprendi tudo, até química, geografia e principalmente, história. Eu vi que o caminho que eu escolhi era errado. Eu entendi que você me queria por perto o maior tempo possível, já que assim como os grandes reis que liamos, você via em mim, desde pequeno, a sede de ter minhas ideias na mente de várias pessoas. Criei desde pequeno na escola grandes confusões por não aceitar muitas coisas, lembra quando alguns amigos tacaram uma cadeira no professor por ele ter me xingado na aula de história? Naquele dia pensei que você fosse me matar.
A maioria de nós somos que nem grafites, mãe. Apesar de termos a mesma coisa que tem dentro dos diamantes, não temos tempo e nem condições de sermos lapidados e virarmos um. A sociedade não quer que sejamos diamantes. Eles querem grafites para que possam escrever e executar as regras que eles mesmos criam.
Desculpa, minha rainha. Apesar de você sempre dizer que é uma mulher de cristo, eu te chamaria de profeta dEle. Amou aquele que nem do seu ventre saiu, como se tivesse saído. Aquela que sabia do que o futuro me reservava e da mesma forma me tratou como se ainda tivesse alternativa, porém, eu nunca tive. O sistema escolhe seus diamantes e seus grafites. Tive que me adaptar.
Obrigado. Diga a preta que a amo, e não quero que ela leve a Sarinha ao enterro. Deixa-a lembrar do pai dela como um homem que lutou até o final pelo que acreditava.
Te amo.