As luzes do corredor estavam apagadas. Ele veio até mim. Como dizer não? Me pediu para descer as escadas com ele para beber água, devia estar com medo de ir sozinho; nossos pais já dormiam faz tempo, além do mais ninguém recusaria se tivesse um irmão tão fofo quanto o meu. No começo eu resisti, mas depois de ele me olhou com aqueles olhos tão grandes e amendoados que eu decidi acompanhá-lo.
Puxei o edredom, estava tão quentinho dentro dele que sair era quase como levar um choque térmico. Enfiei meus pés, agora frios, em umas pantufas que eu havia ganhando de aniversário muito tempo atrás, peguei a lanterna de cima do criado mudo e fui na frente.
Abri a porta devagar, com medo dos nossos pais acordarem, botei o dedo indicador na boca em sinal de silêncio para o meu irmãozinho, ele pegou a minha mão e, quando botamos os pés no corredor, ligamos a lanterna. Olhando-o por aquela luz amarelada ele não parecia ter mais do que 6 anos, mas acabara de completar 9 havia cinco dias, idade suficiente para já ter superado o medo do escuro.
O corredor era bastante comprido, o piso era de madeira e a parede coberta com fotos de pessoas que eu nem mesmo conhecia, mamãe dizia que era nossos ancestrais, mas eu achava essas fotos no mínimo assustadoras. A única vantagem de se ter uma família de linhagem nobre e antiga era essa casa, que herdamos de um tio que nunca mesmo eu havia ouvido falar; éramos os últimos Hiddenbowers.
Hoje é nosso segundo dia na casa, quer dizer, mansão. Tudo ocorreu bem. Arrumamos, limpamos, botamos os móveis no lugar, tudo normal, a única coisa que me incomodou foram os barulhos que ouvi ontem à noite, presumo que não seja nada demais, temos muitos vizinhos, mas bem que eles poderiam falar mais baixo de noite!
Percorremos o corredor e chegamos até a escada. Quando iluminei a nossa frente, pensei ter visto um vulto, mas imaginei ter sido Butterchip, o gato. Chegamos ao pé da escada onde desembocava na sala de estar que, digamos de passagem, era maior que toda a nossa antiga casa! Haviam móveis antigos do antigo dono, um velho excêntrico que morava junto de seu ego, como dizia a mamãe. O tio Arnold Hiddenbower não havia deixado filhos ou ao menos esposa, o que levou a nós herdamos todo o fruto de seu egoísmo.
A sala possuía paredes pintadas em um tom vermelho escuro, com seus sofás e divãs em um tom que combinam macabramente com as paredes, que mais lembram cor de sangue pútrido. Havia muitos quadros, inclusive o próprio retrato de Arnold em cima da lareira que ainda não havíamos tido tempo de retirar.
Quando demos os primeiros passos em direção à sala, o relógio de parede bateu seu tic-tac bizarro, meia noite, ele anunciava. Olhei meu irmão nos olhos e atravessamos a sala de mãos dadas, eu achava meio ridículo ter 14 anos e ficar com medo de todo aquele contexto de atravessar uma sala desconhecida no escuro, mas não pude evitar, tentei disfarçar ao máximo para não assustar meu parceiro.
Chegamos na cozinha, mas o que eu mais temia aconteceu, a lanterna falhou. Senti a mão dele descolar da minha, chamei por seu nome, mas não ouve resposta, nem mesmo ouvia passos; minha respiração já pesada, mais uma vez o chamei e não obtive resposta. Foi quando senti sua mão de volta na minha, decidi não fazer perguntas e, assustado com o escuro, apenas corri. Corri o máximo que pude por entre o corredor e as escadas, ele ainda firme ao meu lado, eu não queria nem pensar na manhã seguinte quando ele iria espalhar para todos sobre o meu medo de escuro, um menino com tamanha estupidez em seu currículo! No mínimo me achariam patético, mas esse era um momento que eu não estava nem aí para isso. Chegamos novamente ao ponto de partida, já estávamos com a mão na maçaneta quando lá embaixo ouvi uma voz gritar por mim:
— Josh? Cadê você?
Era a voz do meu irmão.