Minha velha amiga, Morte
Bea
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 31/10/16 21:08
Editado: 31/10/16 21:15
Tags: Concurso
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 9min a 13min
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Palavras: 1570
Este texto foi escrito para o concurso "Concurso de Halloween" No Concurso Oficial de Halloween da Academia de Contos, apoiado pela DarkSide Books, convidamos os participantes a escreverem textos no estilo "creepypasta", ou seja, obras detalhadas de terror escritas com o objetivo de assustar os leitores e deixá-los se perguntando o que é real e o que é ficção na história. Ver mais sobre o concurso!
Não recomendado para menores de doze anos
Notas de Cabeçalho

Concurso.

Capítulo Único Minha velha amiga, Morte

Nunca tive pesadelos. Mas não acho que isso seja algo para se gabar. Além do mais, não é como se minha mente pudesse de alguma forma imaginar e me levar a um cenário pior do que a realidade. Não me entenda mal; o casamento de meus pais vai bem, nunca nos faltou alimento e minhas notas na escola são invejáveis por qualquer um. Mas, como bem já sabemos nada é perfeito. Eu tinha que ter essa habilidade. . . Esse “dom”. . . Os que não me acham louca chamam de milagre, mas, para mim, essa é minha maldição.

Eu vejo pessoas mortas.

Não vejo simplesmente espíritos vagando sem rumo e tentando assustar humanos como crianças no Halloween. As cenas se revelam bem mais perturbadoras do que isso. Direto da guilhotina, corpos sem suas cabeças; órgãos pulando para fora e vértebras dobradas em posições inimagináveis, resultado talvez de um ataque de urso; ou ainda, corpos que depois de tanto tempo não deixam de agonizar ao se engasgar no próprio sangue que preenche seus pulmões perfurados pelas balas perdidas de uma época mais violenta. Muitos, quando me veem, lançam-me aquele olhar desesperado e imploram por ajuda, mas minha resposta é sempre a mesma.

“Mas você já está morto.”

Voltando da escola para casa em uma sexta-feira à tarde, Jenny não podia estar mais aliviada em poder aproveitar o fim de semana trancada em seu quarto assistindo séries como de costume. Enquanto andava, sentiu seu celular vibrar em seu bolso, e, já imaginando que fosse sua mãe, tratou de atender logo.

“Alô? Mãe? Eu já estou chegando em casa, se é isso que quer saber.” A ruiva disse ao atender o celular, quase deixando um suspiro escapar, já acostumada ao excesso de preocupação de seus pais.

“Obrigada por avisar, assim fico mais calma.” A mãe de Jenny respondeu do outro lado da linha enquanto procurava o par para seu sapato. “Na verdade, estou ligando para avisar que eu vou sair com seu pai e só voltaremos amanhã na hora do almoço.”

“Deixe-me adivinhar. . . ‘Tranque as portas e as janelas, não esqueça de botar comida pro cachorro e não deixe nenhum estranho entrar’?” Com um tom levemente sarcástico ela perguntou, imitando a voz de sua mãe recitando as recomendações de cor.

“Tão previsível assim?” Foi a resposta de sua mãe. Ao fundo era possível ouvir uma pessoa apressando-a e, depois de pedir desculpas para sua filha e dizer milhões de vezes que a amava, encerrou a ligação.

Chegando próximo à rua em que morava Jenny pôde ver o carro de seus pais se distanciando.

“Viva. Tenho a casa só para mim.” Seu tom era puro sarcasmo ao murmurar isso para si mesma. Jenny não era do tipo de sair ou dar festas, fazendo com que a ideia de ficar sozinha em casa perdesse a magia que tinha para a maioria dos adolescentes.

Depois de cumprir as tarefas designadas por sua mãe, Jenny finalmente pôde descansar. Ela deitou no sofá e ligou a televisão surfando pelos canais em busca de algo que tirasse sua mente das preocupações da escola.

“Fugiu da prisão de segurança máxima nessa tarde de sexta-feira o serial killer-“

“Que ótimo. Era só o que me faltava. Logo logo aparecem mais espíritos para me irritar.” Jenny lamentou consigo mesma, mais preocupada com a ideia de ter que lidar com mais fantasmas do que com a possibilidade de um assassino por aí – procurando por sua nova vítima.

Horas se passaram e o som suave da respiração de Jenny era a única coisa audível na casa. Seu peito subia e descia num ritmo lento, mas estável e sua expressão facial transmitia paz. Provavelmente estava tendo um sonho bom.

Um barulho suave na fechadura da porta da cozinha quebrou o silêncio que reinava até então sendo logo seguido pelo barulho de passos que descobriam seu caminho pelos corredores e cômodos da residência.

Assim como um leão à espreita de sua presa, o intruso fazia movimentos calculados. Ao achar a adolescente em seu momento de descanso no sofá, o canto de seus lábios de levantou num sorriso malicioso.

Suas mãos grandes se posicionaram ao redor do pescoço de Jenny que acordou instantaneamente. Ela tentou gritar, mas seus pulmões preferiram guardar o ar tão precioso naquele momento.

Ela se debatia contra o homem incessantemente. Chutava, socava e arranhava, seus esforços para tentar se libertar apenas serviram para atiçar mais ainda a raiva do homem. Numa ultima tentativa desesperada Jenny moveu seu braço para trás, acima de sua cabeça, e sentiu algo gélido e liso na ponta de seus dedos rapidamente reconhecendo o tal objeto como o vaso de flores que sua mãe insistia em manter na mesinha ao lado do sofá, juntamente a algumas revistas de moda que ela acompanhava. Sem pensar duas vezes ela agarrou o vaso e lançou-o na cabeça de seu agressor, quebrando o objeto e espalhando pedaços de vidro pelo sofá e pelo chão. Jenny não era muito forte, mas o golpe foi capaz de atordoá-lo o suficiente para que ela pudesse empurrá-lo para longe. A ruiva viu ali uma brecha e saiu correndo, a adrenalina circulando por suas veias sendo tanta que ela nem percebeu os cacos de vidro que feriam a pele da planta de seus pés.

Jenny correu o mais rápido que pôde, passando pela cozinha e saindo pela mesma porta que funcionou como entrada para seu perseguidor. A rua fria e escura mal a deixava enxergar seu trajeto, mas isso não a desanimou, na realidade, ela passou a correr mais rápido quando ouviu passos velozes juntamente ao som da respiração ofegante do homem. "Acho que ele não vai desistir tão cedo," era o pensamento instalado em sua mente.

Uma viela. Sua única salvação. Em uma curva brusca, Jenny entrou em um beco e se escondeu atrás de uma lixeira bem a tempo de ver a sombra do assassino passar reto e se manter na avenida principal.

Ao perceber que foi enganado, o homem fez o trajeto de volta na esperança que achar a garota. Jenny segurou a respiração e se manteve o mais imóvel possível. Não achando nada, o homem estava prestes a dar meia volta, desistir dessa e partir para a próxima vítima, quando um toque de celular e uma luz branca atrás de uma lixeira chamou sua atenção. "Merda! Por que agora, mamãe?!" ela lamentou mentalmente. Jenny se atrapalhou com os botões numa tentativa de desligar o celular e acabou por atender à ligação.

“Oi, querida! Tá tudo bem por aí-“ O celular foi tomado de suas mãos pelo homem que olhou nos olhos de Jenny e murmurou algo que fez um arrepio descer por sua espinha. Suas palavras arrastadas, as primeiras que ela o ouvir dizer e que, provavelmente, também seriam as últimas.

“Você perdeu.”

Pegando-a pelos cabelos ele forçou-a a se levantar e a jogou contra a parede úmida e suja do beco. Pressionando seu antebraço esquerdo contra a traqueia de Jenny ele a impedia de fugir. Do bolso do casaco ele tirou uma faca e, num movimento agonizantemente lento, aproximou a ponta da mesma do braço de Jenny, deslizando-a em todo o comprimento, desde o ombro até o pulso. Lágrimas escaparam dos olhos castanhos da adolescente ao sentir seu sangue se esvaindo. O processo se repetiu no outro braço antes dele começar a marcar pequenos cortes em sua clavícula. "Chega. Não mais," ela imploraria, mas não encontrava sua voz. Jenny olhava para ele com olhos que imploravam por piedade, mas depois de todo o trabalho que deu, ele faria questão de dar a ela a ‘morte merecida’.

Empurrou-a em direção ao chão e a chutou no estômago diversas vezes antes de se sentar em suas costas e agarrar suas pernas, rapidamente proferindo um profundo corte em seus tornozelos, fazendo certeza que chegaria aos tendões. Um grito estridente escapou dos lábios de Jenny, sentindo como se sua garganta e cordas vocais se dilacerassem com tal ato.

Ele se levantou e olhou para baixo, para sua obra prima. A garota que sangrava incessantemente já não podia sair do chão e nem tinha mais energias para gritar. Assim como ele queria, ela morreria lentamente. O homem se afastou – como se nada tivesse acontecido – e seguiu seu caminho, não antes de rir da situação em que deixou o corpo.

Jenny já não mais controlava a onda de lágrimas que insistiam em correr por sua face. Minutos se passaram e ela começou a implorar que a morte chagasse logo. E então, os sons de vozes já conhecidas, um vislumbre de esperança, fizeram com que ela conseguisse a força para se arrastar para fora do beco. A Lua pareceu contribuir bem naquele instante saindo detrás de seu esconderijo nubloso para iluminar a visão de Jenny. Os espíritos que antes ela esperava não encontrar cruzaram seu caminho e ela não poderia estar mais feliz com isso.

“Por favor. . . Me ajudem. . .” Sua voz saiu num sussurro áspero e sofrido, mas ao mesmo tempo num misto de desespero e esperança.

Os olhos sem vida e revoltosos dos espíritos olharam uns para os outros antes de um deles dar um passo à frente e fitá-la de forma confusa, como se não entendesse o porquê dela estar pedindo tal coisa. Quando Jenny reconheceu aquele olhar como o que ela usou por tantas vezes, sentiu o peito apertar e a respiração falhar, ouvindo o que eles tanto esperaram ter a chance de dizer.

“Mas você já está morta.”

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Comentários (1)
Postado 03/12/16 13:21

Hhahahhaha. Perfeito. Quero mais historias assim.