Seja bem-vindo ao nosso circo.
Alegra-me ter sua presença essa noite.
Por favor, escolha seu lugar à plateia e acomode-se. O show já irá começar.
Consegue ouvir os risos? Aplausos e pedidos de bis?
... Claro que não. Ainda está vivo. Está são. Completamente sozinho. Mas consegue me ouvir, não é? A voz em sua cabeça fazendo-o duvidar da própria sanidade.
Não desvie o olhar nem tente me encontrar. Você não pode me ver. Não quero que me veja.
Então apenas venha. Ao centro do picadeiro. Sim, ao lugar onde a mágica acontece.
Deixarei que presencie o mundo com meus olhos. O espetáculo acontecerá em sua mente.
Preparado? Vamos começar.
Feche os olhos. Sinta a adrenalina a se ver cercado por estranhos curiosos aguardando pelo show.
Concentre-se. Qual a reação que espera de sua plateia? Risos? Alegria? Então os ouça. É capaz disso?
Veja, eles estão lhe aplaudindo. Muito bem.
Não abra os olhos. Não perca o foco. Diga-me o que poderia acontecer agora? Um ajudante de palco? Ora, e por que não?
Que tal uma criança? Ouça. Sinta a euforia por ter sido escolhida. Uma pequena e inofensiva garota. Ela sorri pra você e acena para sua família que assiste.
Mas o que fará com ela? Algo que a fará perder o ar, claro.
Rápido. Pense em algo. A plateia aguarda.
Está nervoso? Quer abrir os olhos? Não o faça. Termine o show.
Eles estão ficando entediados... Deixe-me fazer algo. Vamos apagar a garota.
“Como” me pergunta? Visualize o que seu estado inerte fez.
Observe como ela continua acenando inocentemente. Olhe de perto.
Existem linhas controlando cada movimento. Uma bela marionete, não?
E o que acontece se puxarmos demais essas linhas? Será que cortam?
Não, não tente gritar. Aqui você não tem voz. É apenas um espectador de seu próprio show.
Mas eles podem gritar. Consegue ouvir? Gritos de horror. Tudo porque a garota está se desmontando.
Não gosto da voz dessa criança. Vamos puxar as linhas em volta de seu pescoço?
Ah, verdade... Aqui você não tem voz. Então apenas veja aqueles grandes olhos infantis te encarar. A culpa é sua por ela ter que morrer.
Você não fez nada. Falhou.
Agora não adianta jogar a culpa em mim. Você a matou. Escolheu ficar parado e deixa-la morrer.
Sim, a culpa é sua. Eu lhe dei a marionete e você não soube como cuidar dela.
As coisas “quebram” quando nos entregamos a inércia.
E lembre-se, você também é uma marionete de suas ações. Ou nem notou as próprias linhas?
Sim... As pessoas só se dão conta do que acontece quando já estão com a corda no pescoço.
Não há como cortar essas linhas. Mas elas podem lhe cortar.
Então grite e acorde. Seja ouvido.
Ah... Acabo de me lembrar. Você está sozinho. Brincar de imaginar um espetáculo quase me fez acreditar em meu próprio conto.
Agora continuará de joelhos no meio desse picadeiro vazio?
Cuidado. A inércia também pode matar.
Não tente olhar para trás.
Um. Dois. Três...
Te peguei outra vez.