A luz do sol reflete em seus cabelos já grisalhos enquanto caminhamos em direção à praia. Você sempre me levava lá quando eu era criança. Me pediu, inclusive, pra não destruir a tradição, como fizeste comigo, eu deveria fazer aos meus filhos.
Essa praia é nossa, coisa de família, eles a devem conhecer.
Caminhando agora ao seu lado, lembrei que você me sentava na areia fria de fim de tarde, bem aqui. E, enquanto as ondas beijavam selvagemente as rochas, você, bem ao meu lado, começava a proferir suas histórias...
Já me contou quando você e seus amigos invadiram uma casa abandonada, só porque ouviram dizer que era mal assombrada. Também da vez em que a chuva repentina destruiu o piquenique do lindo dia de sábado, cheio de canto e ensolarado. Hoje, eu poderia me lembrar de todas as histórias que você já me contou, mas nenhuma se moldará tão bem ao que sinto agora quanto a do monumento imponente,
do faraó exigente,
achou que assim
se eternizaria nas mentes,
mas, assim como a Alzheimer destruiu as memórias dessa beldade de cabelos grisalhos, o tempo fez ruir toda imponência daquela esfinge. Ficou no passado.
Lembro como te ouvir me contar essa me trouxe um calafrio e me fez pensar no pesar em que adentrei, como que num rio muito frio, senti naquele momento o horror que me desnorteou, pude ver ao que somos destinados: ao fim. Que terror!
Por isso, até os seus cabelos grisalhos, hoje já me falam um bocado.
Lembre-se de Ozymandias! Tudo é efêmero, não se desespere, bom ou ruim, tudo ao pó vai se reduzir.
Suas memórias a Alzheimer lançou por terra e as minhas me trouxeram a essa praia.
O celular embaixo do travesseiro não parava de vibrar, levanto-me assustado, olho o calendário. É hoje. Já faz dez anos desde a última vez que você esteve aqui. Já não vivo perto daquela praia, nem sequer tive filhos, você não vai gostar de saber, mas nem cheguei a ser casado. Porém, ainda vejo o sol refletindo seu cabelo grisalho. Afinal, essa foto no criado-mudo é a única coisa que eu tenho... e vendo-a diariamente, me lembro daquele sonho:
Eu e você caminhando em direção à praia...
o que era mesmo que você repetia? Ah, sim... Ozymandias!