São cinco horas da manhã, é ótimo pode ver-te a qualquer horário, visito-te todos as semanas, raras exceções, sabes disso, o dia de meu casamento foi um deles, mas no dia do divórcio estive aqui para dividir minha tristeza contigo...
Afinal, tristeza é muito do que compartilhamos nestes dias não é mesmo?
Minha esposa? Vai muito bem, ainda não é completamente conformada com o tempo que te dedico, mas sem dúvidas, aceita bem melhor que a anterior; ontem minha filha completou cinco anos, por isso não pude vir visitar-te, fizemos uma festa com os coleguinhas da sala dela, nada de presentes caros, sabe como sou com relação ao apego material, creio que o que ela pode ter de melhor já possui, apesar de que nunca posso com as caras e bocas dela, acabo por enchê-la de dengos... lembra-te quando éramos por volta dos dezessete anos? Minha prima mais nova tinha cinco e nunca consegui me conter, um péssimo exemplo meu por sinal, sempre mimando-a, certa vez demos tantos doces para ela que meu tio me deu a maior brinca no dia seguinte por ela não ter jantado por causa das balas e chocolates.
Fui promovido no trabalho esta semana, apresentei um circuito integrado de maior funcionalidade para a empresa, utilizando vitrais formados por plantas fotovoltaicas e uma automação mais sofisticada consegui remodelar toda rede elétrica e tornar a sede quase por completamente autossustentável, retirando o que necessitamos com um DDP (Diferença de Potencial) elevado para teste em outras áreas, a partir de nossa rede elétrica própria conseguimos ainda ceder algum excesso para a distribuidora; soube que a partir dos estudos de nossa infraestrutura várias empresas estão considerando reformular seus sistemas para algo similar com o nosso, claro que a maioria só visa diminuir despesas, mas fico bem feliz de ter feito algo que diminuirá os gastos da população com eletricidade já que a demanda diminuirá muito.
Engraçado como um acúmulo de datas pode se tornar tão significativo na vida de alguém, ontem foi o aniversário de minha filha, amanhã será o meu e no outro dia seria o teu, pena que te foste nesse exato dia, 26 anos atrás, éramos jovens, apaixonados, prontos para vivermos toda nossa vida como havíamos vivido nosso passado, fomos amigos desde pequenos, criados quase sob o mesmo teto, brincamos e choramos juntos com os machucados da infância, tivemos uma duradoura amizade que estendeu-se pela adolescência e inundou cada partícula infinitesimal do nosso ser, éramos jovens, mas, aparentemente, o tempo, circunstâncias ou destino, como prefira chamar, não possui muita sutileza com dois corações, o que teve de acontecer, aconteceu... e cá estou eu, vinte e seis anos depois, ainda sofrendo a perda da pessoa que me completou por quase metade da vida e justamente quando estávamos prontos para enfrentarmos a outra metade, desaparecesse no ar, o vento carregou cada um dos teus fios castanhos de cabelo para longe de mim; cá estou eu, sentado sob a grama que cresce de tua carne decomposta.
É muito tarde para dizer que nunca consegui comemorar um aniversário meu após tua ida? É difícil ter algum sentimento festivo quando o dia anterior trás uma dor tão profunda e amarga.
Sempre fui das pessoas românticas que acreditavam em todas as belezas que a literatura nos proporcionava, todos os versos, liras, sonetos e contos, todo toque de instrumentos, toda voz recitando, todo canção de amor, todo silêncio que precedia o beijo de dois enamorados no palco do teatro, sempre fui...
Ouvi diversas vezes sob a ótica idealizadora do romantismo que, um grande amor, teu primeiro amor, nunca morre; sinceramente, tais palavras não poderiam ser mais amargas para mim do que já são, não poderiam ser mais perfurantes e dilacerantes do que já são e se as palavras podem causar tamanha devastação, espero, a cada vez que venho ver-te que a sensação oposta se realize, que elas possam curar-me e complementar-me mais uma vez, uma última vez.