As cores que ela via
Julih
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 17/06/16 21:58
Editado: 03/03/18 22:24
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
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Capítulo Único As cores que ela via

Dizia ela que amava as cores.

Eu dizia que era infantilidade dela, não havia motivo para amar as cores. Mentalmente eu me perguntava se isso tudo era o sofrimento dela acumulados e empilhados em uma deficiência: ela era cega.

Nunca em sua vida, nem sequer no útero, havia enxergado algo em sua vida. Talvez vultos, nunca se sabe. Mas da mesma maneira que ela não sabia o que se passava à um palmo de sua face, eu não via nem um centimetro de sua mente.

Por quê? Me perguntava constantemente, qual o motivo, razão ou circunstânca?

Dizia ela que amava as cores que saiam todas as vezes que eu tocava violão. Ela ria, mas não debochada, era de felicidade, de todas as músicas que eu compunha e lhe mostrava. Eu sorria, triste por dentro.

Como podia, me perguntava insanamente. Como podia ela ser desse jeito, tão meigo, mas tão, tão, tão penoso? De dar pena?

Ela dizia que não havia motivos para ela se preocupar, ou eu me preocupar. Talvez não houvesse mesmo, talvez ela estivesse muito bem comigo narrando as cenas dos seus mangás preferidos, ou, recitando seus conteúdos mais queridos. Eu, quem sabe, tivesse algum problema.

Ela dizia que queria conhecer o mundo, ver as suas cores. Que cores, eu pensava. Com que visão, eu pensava. Qual a utilidade, eu pensava.

Como? Era a única coisa que passava pela minha mente.

Talvez esse tenha sido o motivo pelo quão eu passei a amar ela tão profundamente, me tornei seu marido sem sequer exitar e me sinto horrivelmente triste que ela nunca tenha visto o meu rosto alegre de quanto ela saiu daquele carro naquele vestido de noiva.

As músicas fúteis que eu escrevia, cada uma tinha uma cor especial para ela. E algumas eram mais de uma cor, outras apenas um pedaço de cor, segundo ela.

Segundo ela, Ré menor na sétima tinha cor marrom. Como ela poderia saber identificar as cores? Me pergunto isso desde sempre. Para ela Dó na sétima aumentada tinha som de verão. Adoraria uma definição para isso. Já Sol Ci (e sabê-se lá como se fala essa desgraça!) tinha cor laranja.

Por algum motivo eu me sentia triste, mas encantado pelas cores que ela dizia, talvez fosse a reação dela à minha felicidade a cada vez que eu era capaz de aprender algo a mais. Talvez, ela estivesse triste no fundo.

Sol tinha cor azul. Ré na quarta tinha cor de chuva. Já Ré na nona tinha cor de neve. Ci bemol na sétima tinha cor de melancolia. Fá tinha cor de futebol. Lá na sétima aumentado tinha cor de entardecer. Mi menor tinha som de solidão. Lá menor tinha som de saudade.

E assim, de acordo com as cores dela, eu montava as cifras da minha música.

Mas enquanto ela não vem da viagem - sim, ela foi, sozinha, porque eu tive que ficar trabalhando -, eu canto e toco em Mi menor, lá menor, ci bemol na sétima e claro, no tom do meu coração saudoso pelos seus enigmas.

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Comentários (5)
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Postado 17/06/16 22:37

Eu precisava ler um texto assim, precisava de algo que me fizesse refletir, sonhar, divagar, e mais do que tudo, me fizesse sorrir por simples palavras. Esse texto em específico me lembrou muito de Jasmine, um personagem que eu aprendi a me apaixonar, fruto da imaginação da Gnoma (Mari aqui), que de tal perfeito ganhou vida em minha mente. E eu não podia estar mais feliz por ler algo similar.

Mas a sua descrição, a sua forma de narrar, ahh, Babe, que orgulho! É tão único, tão inspirador, tão questionador. Muitas vezes nos pegamos reclamando de muitas coisas, sem sequer parar para imaginar que há dificuldades muito maiores. Afinal, esse é um hábito humano, se colocar em primeiro acima de tudo. Mas a nossa querida garota não. Ela nunca viu as cores, mas ela pode imaginar. Ela vê de forma diferente.

Ela vê seus significados.

E dessa maneira ela compôs a própria história, junto com o seu amado. O nosso protagonista não sabe como é possível, como ela poderia amar algo que nunca viu... Mas será que ele pensou que ela poderia amar o que ela sente? O que ela consegue assimilar? São conceitos que não refletimos sempre, e é lendo textos assim que fico imensamente satisfeita.

Satisfeita por saber que há mais gente que reflete sobre isso. Que consegue trazer para a literatura.

E quanto as comparações das notas musicais com cada sentimento e momento? Babe, isso foi fantástico! Combina tão perfeitamente. E bem, agora eu me encontro em Lá menor, numa melodia tão calma perante essa reflexão.

Porque esse texto é uma composição única de uma perspectiva complexa. Uma perfeita música ♡

Postado 17/06/16 23:42

Que comentário lindo, Pão. E eu espero que uma música em A7+, C7+ e G/B toque para você. Respectivamente, Lá na sétima aumentada, dó na sétima aumentada e Sol/Ci. <3

Postado 18/06/16 19:15

Caramba, Julih! Que sutilidade, hem? Você teve uma criatividade ímpar ao compor essa obra de arte. Tá muito lindo! ;D

Vc sempre me surpreende, filha! <3

Postado 18/06/16 22:17

Ooowwwnti <3

Postado 19/06/16 01:06

Magnífico, sem palavras pra descrever algo tão doce. Doce como a autora. Parabéns...

Postado 19/06/16 01:11

Muito obrigada :D

Postado 26/06/16 15:30

Senti cor de melancolia ao ler seu texto... simplesmente maravilhoso. Tocou-me a alma e o coração!

Postado 27/06/16 14:03

Me sinto honrada com esse comentário, obrigada <3

Postado 30/06/16 17:16

Satanás do Hell, o que ocorre com esta garota...?

Sua genialidade me deixou sincera e completamente sem palavras, Srta Julih-sama. Sim, "sama" porque esta sua obra a eleva a um status divino. é o tipo de obra tão espetacular que qualquer um fica aturdido com a sua grandiosidade, criatividade, profundidade, sensibilidade e todas as notas e cores dignas existentes...

Seu texto é uma obra sinfõnica perfeita, idílica e memorável! eu me ajoelho e lhe reverencio, Srta Julia! parabéns, parabéns, parabéns!

Atenciosamente,

Um ser cego, surdo e mudo em N aspectos, Diablair.

Postado 30/06/16 20:40

Muito obrigada pelas palavras tão carinhosas, Diablaire. Inclusive, só fui descobrir que é Diablair depois de alguns longos meses no AC, mas juro que tu se apresentou como Diablerie, para mim. uahuahauha

Mais uma vez, obrigada :D