Dizia ela que amava as cores.
Eu dizia que era infantilidade dela, não havia motivo para amar as cores. Mentalmente eu me perguntava se isso tudo era o sofrimento dela acumulados e empilhados em uma deficiência: ela era cega.
Nunca em sua vida, nem sequer no útero, havia enxergado algo em sua vida. Talvez vultos, nunca se sabe. Mas da mesma maneira que ela não sabia o que se passava à um palmo de sua face, eu não via nem um centimetro de sua mente.
Por quê? Me perguntava constantemente, qual o motivo, razão ou circunstânca?
Dizia ela que amava as cores que saiam todas as vezes que eu tocava violão. Ela ria, mas não debochada, era de felicidade, de todas as músicas que eu compunha e lhe mostrava. Eu sorria, triste por dentro.
Como podia, me perguntava insanamente. Como podia ela ser desse jeito, tão meigo, mas tão, tão, tão penoso? De dar pena?
Ela dizia que não havia motivos para ela se preocupar, ou eu me preocupar. Talvez não houvesse mesmo, talvez ela estivesse muito bem comigo narrando as cenas dos seus mangás preferidos, ou, recitando seus conteúdos mais queridos. Eu, quem sabe, tivesse algum problema.
Ela dizia que queria conhecer o mundo, ver as suas cores. Que cores, eu pensava. Com que visão, eu pensava. Qual a utilidade, eu pensava.
Como? Era a única coisa que passava pela minha mente.
Talvez esse tenha sido o motivo pelo quão eu passei a amar ela tão profundamente, me tornei seu marido sem sequer exitar e me sinto horrivelmente triste que ela nunca tenha visto o meu rosto alegre de quanto ela saiu daquele carro naquele vestido de noiva.
As músicas fúteis que eu escrevia, cada uma tinha uma cor especial para ela. E algumas eram mais de uma cor, outras apenas um pedaço de cor, segundo ela.
Segundo ela, Ré menor na sétima tinha cor marrom. Como ela poderia saber identificar as cores? Me pergunto isso desde sempre. Para ela Dó na sétima aumentada tinha som de verão. Adoraria uma definição para isso. Já Sol Ci (e sabê-se lá como se fala essa desgraça!) tinha cor laranja.
Por algum motivo eu me sentia triste, mas encantado pelas cores que ela dizia, talvez fosse a reação dela à minha felicidade a cada vez que eu era capaz de aprender algo a mais. Talvez, ela estivesse triste no fundo.
Sol tinha cor azul. Ré na quarta tinha cor de chuva. Já Ré na nona tinha cor de neve. Ci bemol na sétima tinha cor de melancolia. Fá tinha cor de futebol. Lá na sétima aumentado tinha cor de entardecer. Mi menor tinha som de solidão. Lá menor tinha som de saudade.
E assim, de acordo com as cores dela, eu montava as cifras da minha música.
Mas enquanto ela não vem da viagem - sim, ela foi, sozinha, porque eu tive que ficar trabalhando -, eu canto e toco em Mi menor, lá menor, ci bemol na sétima e claro, no tom do meu coração saudoso pelos seus enigmas.