Da última vez que meus pés haviam feito caminho por lá, a entrada era estreita e o fundo escondia estantes grandes, com livros antigos e esquecidos. Apenas uma lâmpada amarelada iluminava o cômodo, que tinha cheiro de mofo e poeira. O encanto daquele sebo simples sempre permaneceu intacto dentro de mim. Apesar da pouca idade e das memórias embaraçadas, eu me lembro nitidamente de percorrer os livros com os olhos, fascinada, atraída e sugada para aquela aura de palavras.
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Anos depois, eu protagonizava — mas não protagonizava nada, de fato, além dessa história embebida em óleo de confusão — algumas das ruas de São Miguel — distrito da poluída e lamentável São Paulo — embutida no emaranhado de pessoas que tropeçavam em mim (às vezes com os olhos, às vezes com o corpo mesmo), quando esbarrei sem querer nas minhas lembranças e no próprio estabelecimento que eu havia visitado há alguns anos.
A multidão não quis saber de minha parada repentina, e continuou a deixar pegadas invisíveis de impaciência. Eu, no entanto, resolvi parar a trilha de minhas próprias pegadas ali, na frente do local. Sacudi meus pés sujos de pressa e adentrei. Estava tão antigo quanto antes, dessa vez com algumas manchas de infiltração na parede e uma aura mais desconfortável.
— O que posso fazer por você?
Girei o corpo para encontrar os olhos de uma velha senhora — reconheci como a funcionária de anos atrás apenas pela mancha escura que tinha no queixo —, que me encarava com estranheza.
— Eu só queria alguns livros — pronunciei, um tanto incapaz de me concentrar totalmente com aquela figura próxima.
Ela me deu um sorriso torto e me conduziu ao antigo caminho que eu bem conhecia: para o cômodo da lâmpada amarela e do mofo. O local parecia imune ao tempo, por não ter mudado absolutamente nada. Por alguns momentos me perdi naquela imensidão de capas, autores e ilustrações; e foi assustadoramente familiar.
Tive a liberdade de percorrer os corredores — vazios; estava visível que o lugar não era visitado com frequência — e me distrair com todos aqueles títulos. A senhora pareceu perceber que eu ainda iria demorar, por isso notificou:
— Se precisar de qualquer coisa, estou no balcão, ali na frente.
Assenti.
Poderia ter se passado anos ou séculos, mas eu, assim como aquela sala, estava parada no tempo. Abri vários livros, me deparei com diversos trechos, me entreti com tantas linguagens que perdi a conta; por causa da poeira, os meus olhos arderam e eu espirrei tanto que achei que tinha pegado alguma doença. Mas, acima de tudo, a sensação de conforto que tive ao ler cada página desconhecida era mágica. Perdi a noção do tempo, e estava esperando que a velha senhora viesse me apressar.
Nada se ouvia lá dentro, nem um mínimo ruído. Por isso me assustei imensamente quando, ao esperar uma voz feminina, uma masculina sussurrou no meu ouvido:
— Faz um tempo que não vejo alguém tão absorto.
A sensação que tive foi a de que cada pelo do meu corpo se arrepiou. Eu não tinha visto mais ninguém naquela sala. Ele era alto, pálido, esguio e com sardas vermelhas — e irritadas — distribuídas pelo nariz, com um cabelo tão preto que poderia se ocultar facilmente em um aposento sem luzes.
Disfarcei a minha surpresa e me afastei alguns passos. Fiz um sinal com a cabeça e respondi com silêncio. Ele pigarreou.
— Eu estava te observando há um tempo. É que trabalho aqui e estava checando os livros, então pensei se não poderia ajudar.
Franzi as sobrancelhas, pois estava convicta de que só eu estava naquela sala.
— Não preciso de ajuda, obrigada. — Recuei, um tanto assustada.
— "Eu procuro incessantemente por algo que preencha o meu vazio, qualquer rastro ou resto que me leve até ela". — Encarei-o. — É uma citação. Na verdade só estou tentando puxar assunto, você parece solitária. — Os seus olhos sorriram.
— Nunca ouvi essa citação.
— Na verdade, só você ouviu. — Ele se apoiou na estante. — Eu escrevi.
Fiquei quieta por alguns instantes.
— Escuta, qual é o seu nome?
— Amélia.
— Amélia... — Ele riu. — Eu poderia dizer o meu, mas um nome não vale muita coisa para mim, e não quero que valha para você.
— Certo. Olha, eu só quero pegar um livro e ir embora — Franzi os lábios, nervosa.
— Eu tenho o livro perfeito para você. Espere.
Ele sumiu no meio dos corredores por alguns instantes, me deixando com uma sensação estranha na cabeça, como se uma corrente fria ultrapassasse meu cérebro. De repente, eu só queria sair dali. Ele voltou pouco tempo depois com um pequeno exemplar na mão, que me estendeu com um sorriso.
— É um tanto complexo, mas tenho certeza de que você vai conseguir compreender perfeitamente.
O livro caiu na troca das mãos, e ele se abaixou rapidamente para pegá-lo. Quando levantou, estava incrivelmente perto, a poucos centímetros de distância. O momento que se seguiu ainda é confuso para mim.
Foi como se pura poesia entrasse na minha respiração, nos meus poros, no meu corpo, na minha mente, e eu estava em combustão, em êxtase, em transe, e ele sugava alguma coisa de dentro de mim, ele sugava, e sugava, e me deixava na escuridão, e eu suava, e ele tirava...
— Fuja, vá embora, menina! Vá embora! — A velha gritou, enquanto suas mãos gélidas — tão diferentes das mãos dele — me empurravam para fora e eu não sabia o que fazer além de andar, correr, rastejar para fora dali.
Quando olhei para trás, apenas vi os olhos melancólicos dele me dando um adeus indesejado e triste. A porta se fechou atrás de mim e o cheiro de mofo sumiu do meu nariz. Dei de cara com a multidão novamente, tentando normalizar a respiração. Já estava de noite. Olhei para as minhas mãos e o livro estava lá. "Lamentações e súplicas da palavra". Quando abri, a primeira página continha uma mensagem com tinta fresca: "Obrigada por me deixar roubar um pouco da história que tem em você".
Alguma intuição desconhecida que eu carregava dentro de mim ordenou que eu olhasse para cima. E quando o fiz, reparei em algo que nunca tinha visto antes; o letreiro daquela livraria, que dizia: "Almas de escritores perdidos".