Paris, França – Catedral de Notre Dame. Dia quinze de Dezembro de 2000.
Passos pesados e rápidos podiam ser ouvidos no corredor principal da grande basílica; o padre, denominado Joseph, mantinha uma expressão assustada e segurava um volume bem grosso da sagrada Bíblia. Os olhos, castanhos, captaram logo a sua frente, no enorme altar, várias figuras encapuzadas e, na mesa sagrada, uma mulher que não deveria passar dos vinte e cinco anos. Engoliu em seco e continuou a sua caminhada, soando frio.
Inúmeras questões turbilhoavam sua mente. Porém, tratou de coloca-las de lado; afinal, o próprio bispo Dom Vincent Dousseau tinha lhe convidado para participar de uma cerimônia importante. Todavia, estranhou o clima tenso desde o momento que chegara na renomada Catedral de Notre Dame. Guardas estavam vigiando todas as entradas e mal havia iluminação no local – em seguida, depara-se com diversas pessoas usando mantos negros da cabeça aos pés.
“Venha, Joseph. Será uma importante comemoração que faremos hoje à noite”, foi o que Vincent dissera a ele. O padre não poderia voltar mais atrás, infelizmente, mas daria tudo para conseguir sumir dali. Algo dizia-lhe que era para fugir e ir o mais longe possível. Tarde demais.
— Padre Joseph! Seja muito bem-vindo à nossa celebração! — Ele ouviu Vincent proferir em voz alta. Todos os capuzes viraram-se para ele; apenas a mulher permaneceu imóvel. — Venha, venha! Aproxime-se. Estávamos justamente esperando pelo senhor.
Novamente o clérigo engoliu em seco. As perguntas bombardeando sua cabeça fizeram-na começar a doer. Estava começando a ficar com medo. Não, na verdade, estava ficando apavorado. Mordendo a própria língua ele virou-se e começou a correr, visando sair da Catedral e, se possível, até mesmo do país.
Porém, seus planos foram impedidos no exato momento em que algo o puxou pelo colarinho. Por dois segundos fora sujeito de sufocamento, tamanha a força da pessoa ou coisa que o arrastou para trás num piscar de olhos. Numa velocidade desumana.
— Ora, Joseph. Não me desaponte, por favor. Meus convidados esperaram exatos dois mil anos para realizarmos nosso ritual. — Vincent riu, olhando diretamente para o padre. — Não precisa ter medo algum, você apenas irá rezar. Rezar para que a criança que nascerá a alguns instantes tenha uma vida saudável. Uma longa vida saudável.
Piscando, o velho padre se recompôs e cometeu um grande erro. Seus olhos castanhos encontraram as brilhantes orbes esverdeadas de Vincent. Um sorriso brotou nos lábios de Joseph, meio abobado. Parecia estar sendo controlado.
— Ora, por que não me disse isso antes bispo Dom Vincent? É apenas um batizado, não é? Rezarei pela criança... Sem nome...? — O tom de voz do clérigo parecia o de um bêbado.
— Oh, que descuido eu cometi! Claro que a criança terá um nome. Ele se chamará Noah!
Após dizer o nome que pertenceria à criança, a mulher começou a se contorcer e a soltar alguns gemidos de dor. Enquanto isso, Vincent mudava totalmente sua expressão: seu sorriso rasgava sua face de orelha a orelha e mantinha um olhar fixo na mulher, como se fosse capaz de devorá-la viva.
— Ave Maria, cheia de graça...
— Cale-se, padre imundo! — Ralhou Vincent. — Você irá rezar para outra entidade; uma mais forte e que se alimenta das trevas. Afinal, eis o filho dele que irá nascer!
O bispo, então, entregou para Joseph um pedaço de papel bem velho. Nele, estava escrito algo relacionado à rituais macabros. Algo a ver com adoração à demônios. Entretanto, o clérigo parece não notar nada diferente. Apenas pegou o papel e começara a ler em voz alta, come se fosse uma benção. Os sete encapuzados elevaram, então, suas vozes com a do padre, como um coral sombrio.
— Isso, isso! — Vincent ria enlouquecidamente enquanto ouvia as vozes se elevando cada vez mais.
As luzes restantes apagaram-se totalmente num instante e o grito de dor de uma mulher ecoou pela Catedral, seguido de uma risada extremamente sinistra e diabólica. O cheiro férrico de sangue e o choro de uma criança fizeram com que Joseph volta-se a si mesmo, assustado e tremendo.
— O que houve...? Esse cheiro... O que aconteceu aqui?! — Gritou, entrando em desespero no instante em que as velas voltaram a se ascender.
Os orbes castanhos do pobre padre captaram uma enorme mancha de sangue no local onde a mulher se encontrava, junto a um borrão de cinzas. As pessoas encapuzadas haviam sumido, assim como Vincent. Apenas uma mensagem havia sido deixada, escrita com sangue, na parede da Catedral.
E nela estava escrito: “o verdadeiro Rei voltará”.
Enjoado, Joseph virou-se para o lado e caiu de joelhos no chão. Sem conter-se, deixou que seu organismo se livrasse de tudo que comera no dia passando um longo minuto vomitando e tento ânsias de vômito.
E então, o choro de bebê voltou a chamar-lhe atenção.
Joseph levantou-se e olhou para a criança, nua e ensanguentada, sentindo um arrepio lhe percorrer a espinha. Pensou em leva-la e jogá-la no Rio Sena mas estranhamente um sentimento de compaixão brotou em seu coração, mesmo sabendo que tal criança poderia ser alguma besta.
— Irei cuidar de você, pequeno. Irei cria-lo como uma criança normal, protegendo-o de quaisquer ameaças. Humanas ou não...