Desgraça.
É a palavra a qual utilizo mais nesses momentos, afinal, a única razão de estar deitado nessa cama todo emparelhado só pode ser uma desgraça. Viro meu rosto para o lado só para encontrar o movimento de uma linha que indica meus batimentos cardíacos. Reflito, logo existo. Por que tudo isso aconteceu? Por que justamente comigo? Um ser tão perfeito com um poder tão grande, afinal, alcancei a linha máxima da tão chamada evolução, mas então por que perdi minha coroa e não sento mais em meu trono?
Atrapalhando meu momento de reflexão, vejo a porta se abrir e dela surgir uma pequena garota de olhos grandes e claros e seus cabelos encaracolados cor de ouro. Sentou ao meu lado na poltrona e me encarava com curiosidade.
Mia: Como o senhor está vovô?
Dorian: Estou bem querida. E você?
Mia: Estou bem, pode me contar uma história?
Dorian: Claro, mas antes deixe-me ajeitar.
Então com certa dificuldade e sentindo fortes pontadas de dor em diversos lugares do corpo, sentei me na cama e encarei de volta minha pequena neta. Via através dela minha própria cria, meu abismo, meu refúgio, meu próprio eu. Então lembrando que precisava contar uma história comecei a falar:
Dorian: Havia no mundo um ser, um ponto essencial na existência do universo. Esse ser pensante fez de sua vida um trono e suas conquistas seu reino. Acreditava que era a verdade e que dela jazia grandes libertações de mente. Quando falava, todos se calavam e abaixavam a cabeça, pois tamanha era a luz que este carregava consigo, cegando a todos que tinham em si a ignorância. Era a lei, regia tudo e todos, dizendo o que era correto e repreendendo o que era errado. Era ciente de tudo, nada escondia, tudo sabia. Era sempre presente em todos os lugares.
O ser também era amante, podia ter uma rainha como também podia ter a si mesmo, afinal, ele se bastava. Era ele e somente ele. Não precisava de amigos, pois também era um para si. Suas obras sempre magníficas contornavam sua aura o fazendo ser o centro de tudo. E realmente era. Era a arte personificada, sua beleza era sua coroa e este mostrava à todos que podia ser sua própria inspiração. Era enfim um Deus, um ser tão poderoso que nem mesmo entendedores de alma o poderiam tirar do centro do Universo.
Mia: Mas vô, quem era os entendedores de alma?
Dorian: Os entendedores de alma eram seres que se diziam filósofos e tentavam tirar do Rei seu trono e sua coroa, porém o ser, o Rei, chutava todos eles com seu poder.
Mia: E quem era esse Rei?
Dorian: Esse rei sou eu.
Mia: Mas então o que aconteceu?
Dorian: A doença aconteceu. Mas, não se preocupe minha querida neta. Nada, nem ninguém tirará de mim o trono. Eu sou eterno e minha alma para sempre será resplandecida.
Mia: Um dia eu serei como você?
Respirei fundo antes de respondê-la.
Dorian: Ninguém pode ser eu.
Vi o corpo de minha neta empalidecer, a aura alegre que antes contornava seu ser se tornou sombria e as lágrimas fizeram parte da composição de seu delicado rosto. Nessa hora, minha filha apareceu e sem nada dizer, retirou minha neta do quarto e me deixou sozinho.
Senti um aperto em meu coração, os batimentos se aceleraram e o ar faltou em meu pulmões. Estava morrendo e estava sozinho, sem glória, sem coroa e sem trono. Totalmente desgraçado. Deixaria livre tudo o que conquistei para os entendedores de alma. Amaldiçoado estava, só podia estar.
Mas, como disse antes, eu e somente eu, me bastava.