Prezado Matthew,
Talvez eu tenha usado uma formalidade desnecessária, se for pensar em tudo que nós já vivemos juntos. Mas se for, realmente, querer pensar por esses acontecimentos, tem que se levar em conta de que acabou e como acabou. Então essa formalidade acaba não sendo tão desnecessária.
Para começar, eu quero deixar claro que não faço ideia do porquê de estar escrevendo esta carta, já que você nunca vai ler ela. Talvez seja o jeito que eu encontrei de pôr tudo que eu quero te falar para fora, já que eu não teria coragem de falar olhando na sua cara.
Estou sentindo tanta coisa nesse momento...
A principal delas é confusão, como sempre. Acho que ela anda sempre junto de você, pois não me lembro de um momento em que eu não me sentia confusa perto de você.
Nunca pensei em conhecer você, conversar ou ser sua amiga. Você chegou até mim de um jeito inusitado, devo ressaltar. Lembro do dia como se tivesse ocorrido a poucos dias.
Eu estava no gramado da faculdade, como sempre tentando aproveitar o sol e estudar ao mesmo tempo. Eu sempre costumava ficar na sobra daquela mesma árvore por ser mais afastava da barulheira do refeitório. Você se aproximou, com aquele seu sorriso incrível abridor de pernas. Sim, de pernas, eu, você e todas as garotas para quem você já sorriu desse jeito sabem disso.
Cumprimentou-me e, deixando ainda mais estranho, perguntou se podia sentar ao meu lado. Como uma tentativa idiota de me afastar de você, eu falei “claro, já estou saindo mesmo”. Mas parece que você não percebeu que eu disse isso propositalmente e logo concertou o que disse e, por fim, se sentou ao meu lado de qualquer jeito.
Você cheirava a sabonete e colônia masculina. Seu cabelo ainda estava molhado e só depois de começar a conversa eu soube que era por ter terminado o treino e ter ido tomar banho nos vestiários do time de futebol americano.
Para começar a conversa, você deu aquela sua desculpa ridícula de querer juntar Hailey com seu amigo. Disse que ele era doido por ela e só não admitia isso, por esse motivo você queria dar um jeito de juntar os dois e precisava da minha ajuda.
E eu caí nessa? Caí. Bendito seja. Eu pensei que poderia dar certo, já que eu percebi algumas vezes os olhares que Hailey dava para seu amigo. Por que, caralhos, eu não pensei que podia ser apenas por que ele era o capitão do time de futebol? Não. Eu tive que acreditar em você. Que trouxa que eu sou.
E então teve aquela maldita festa que você falou para mim levar a Hailey, que na verdade foi ela quem começou com o assunto pois queria comemorar a nota máxima na prova de sei lá o que. Quando chegamos se passou certo tempo até eu ver você. Parecia que você procurava por alguém, agora eu sei que era por mim. Você não me viu naquele momento, porquê logo eu e Hailey fomos beber alguma coisa, mas logo você estava lá.
Veio com a desculpa de querer falar comigo e me conduziu para longe dela alegando apenas para mim que seu amigo ia se aproximar dela. Muitas perguntas invadiram minha cabeça naquele momento, como sempre quando você está por perto.
Acho que essa foi a melhor festa em que eu já estive e, mesmo que tenha dado isso agora, eu não mudaria nada do que aconteceu essa noite.
Pensando agora no que aconteceu naquela festa, eu percebo que você tentou me beijar diversas vezes e na hora eu estava bêbada demais para notar. E, agora sem estar chapada, percebo também as diversas mãos bobas. Lembro vagamente de quando eu iria embora e você fez aquela sua cara de cachorrinho quase me convencendo a ficar mais um pouco. E, graças ao bendito Deus, eu não aceitei.
Na próxima semana, após a festa, você veio atrás de mim e, felizmente, Hailey estava comigo. Ela insinuou algo sobre seu amigo e quando você tentou desconversar ela disse: “pede pra ele parar de me importunar, nós já terminamos tem tempo”. Você ficou sem graça e perguntou algo do tipo: “vocês já estavam juntos?”. Agora eu percebo que ela já sabia do seu joguinho e fez tudo de propósito para você me contar o verdadeiro motivo por estar atrás de mim.
Então, quando você me explicou que na verdade apenas queria uma desculpa para falar comigo, pois não sabia como chegar em mim, eu fiquei confusa. De novo, pra variar. Por que, caralhos, você ia querer chegar em mim? Tinham tantas outras garotas... principalmente as que abriram as pernas pra você apenas por estar no time de futebol americano.
“É fácil chegar nelas.” Você disse.
“Qual a diferença? Somos todas garotas, não?” E você me olhou nos olhos. Mas me olhou de verdade. Me olhou como se pudesse ler minha mente. Como se pudesse transmitir seus pensamentos para mim. Como se quisesse se conectar comigo.
“Não estou acostumado a chegar em garotas com pensamentos diferentes de sexo. Seria estranho se eu usasse a mesma abordagem. Por que, e se você aceitasse? Aceitaria também sair comigo? Sem achar que eu quero apenas sexo?”
Isso me deixou sem palavras, eu fiquei um tempo sem saber o que falar e até meio envergonhada por você admitir que não queria só sexo comigo. Então você ficou sem graça quando não respondi, suas bochechas ficaram coradas, você desviou o olhar e coçou a nuca. Ficou tão lindo sem graça. Só de lembrar eu sinto vontade de pegar você nos braços, mesmo que não seja fisicamente possível, e abraçar e beijar e fazer carinho.
Porra! Estou sentindo sua falta agora.
Eu me deixei cair em seus encantos e acabei por me apaixonar. Você não deveria ser tão cruel. Você não é tão cruel. Você se preocupa com os outros, é gentil, amigável, responsável, esperto e mente aberta. Você consegue compreender qualquer um, se pôr no lugar de qualquer um. Você é uma pessoa incrível. Então por que me fez sofrer desse jeito?
Você nunca me falou de ex-namorada problemática, então pensei que nenhuma mulher que já passou por sua vida fosse causar problemas. Você nunca falou de sua família em pedaços, então pensei que sua vida pessoal e a que você mostra para todos sempre fosse esse mar de rosas com apenas um ou dois espinhos. Você nunca disse dos monstros que vivem na sua cabeça, então pensei que nunca precisaria sofrer com palavras suas em momentos ruins.
Mas tem um ex-namorada problemática, não por ela ser alguma vadia louca que não aceitasse o final de seu relacionamento, mas, sim, porquê você ainda ama ela. Mas tem uma família as pedaços, que sempre destruía você um pouco todos os dias. Mas tem monstros em sua cabeça e sempre que eles se tornam mais fortes que você, você acaba machucando as pessoas.
Sua vida não é um mar de rosas, no máximo, um mar de espinhos com algumas rosas aqui e ali. Você sempre quer deixar outra pessoa melhor quando vê que ela está triste ou que precisa de ajuda, mas você nunca pede, ou nunca deixa alguém ver, que você também precisa de ajuda. Que você está tão frágil quanto, ou até mais, que a pessoa que você quer ajudar.
Matt, eu nunca te falei isso, mas digo agora. Eu amo você. Sei que essas simples palavras não mudariam nada. Pois você ainda ama sua ex, você ainda tem a família aos pedaços, ainda tem monstros em sua cabeça, ainda não mostra seu verdadeiro lado necessitado de reparos e ajuda a ninguém.
Eu sinto sua falta, Matt, sinto sua falta pra caralho.
Queria estar com você agora. Queria estar no lugar da sua ex-namorada. No lugar dos seus irmãos, que são a parte menos despedaçada de sua família. Queria estar no seu lugar.
Por que isso tinha que acontecer com você? Justo com você?
Já disse e repito: você é uma boa pessoa, se não a melhor. Você não merecia estar passando pelo que passa agora. Você não merecia sofrer mais ainda. Você merece ser feliz! Eu quero que você seja feliz, Matt. Mesmo que tenha me machucado e que ainda me machuque. Mesmo que você não prefira que eu fique ao seu lado. Mesmo que queria esconder de mim esse lado podre de sua vida.
Você falou que nós dois não daríamos certo juntos. Mas então, por que caralhos, você veio até mim naquele dia com aquela maldita desculpa ridícula e ficou todo aquele maldito tempo comigo? Só para eu acabar por sofrer mais ainda? Por que você entrou em minha vida, Matt? Por que você não foi uma boa pessoa comigo? Você me faz sofrer e mesmo assim eu queria que estivéssemos juntos, ou, ao menos, que eu estivesse em seu lugar agora.
Fui te visitar algumas vezes, além daquela que você me viu. Sim, eu ainda odeio hospitais, mas eu amo você, como já disse.
Pode ter me mandado embora naquela vez, ter me desprezado e não ter sido a pessoa boa que você é, mas eu não consigo ficar longe de você. Eu voltei nas vezes que eu sabia que você estaria dormindo ou sedado. Voltei para saber se estava melhorando. Para saber se sairia daquela maldita cama de hospital. Para saber se já não estava mais preso àqueles aparelhos idiotas. Para poder ver você sem ser desprezada outra vez.
Acho que posso estar querendo muito de você, já que eu queria que você tivesse me contado do seu lado podre e não contei do meu. Mas ele parece sempre tão evidente...
Não odeio hospitais por terem aquele cheiro ruim e me fazerem pensar em morte, como eu já falei. Ao menos, não apenas por isso. Eu odeio hospitais pois por três longos anos de minha vida eu fui a um todos os malditos dias. Meu avô era fumante, e é por isso que odeio cigarros, e acabou tendo câncer no pulmão. Os médicos falaram que havia uma possibilidade de ele viver e, para a criança que eu era na época, eu pensei que seria como ele sempre viveu, fora daquele hospital.
Ia todos os dias depois da pré-escola junto de minha vó para visitar ele e sempre perguntava quando ele podia sair para passear e brincar comigo outra vez. Eu nunca obtive uma resposta direta, o assunto sempre era mudado.
Uma vez, eu fui sozinha no hospital, já tinha decorado o caminho depois de três anos. Passei pela recepção como sempre, subi no elevador e fui até o quarto de meu avô. Ele parecia dormir, mas quando me aproximei e subi em sua cama como sempre, ele abriu os olhos e sorriu para mim. Pegou minha mão e não lembro de ter a sentido tão gelada como nesse dia. Ele já não conseguia falar nesse ponto.
Senti como se naquele momento ele estivesse me desejando coisas boas e me perguntando se eu iria ficar bem. Me perguntando se cuidaria de minha avó. Me perguntando se iria passear e brincar sem ele. Me perguntando tantas coisas...
Lembro vagamente do que aconteceu depois, ele apontou para fora do quarto e por eu ter visto a enfermeira, entendi que ele queria que eu a chamasse. Sorri e falei que já voltava. Quando fui até a enfermeira, ela sorriu docemente para mim, mas logo olhou para a porta do quarto e gritou alguma coisa. Lembro de ter visto sangue e de alguém me tirando de perto do quarto. Lembro de ter encontrado minha vó e nos termos caminhado para outro lugar. Lembro de ter voltado para o quarto de meu avô para perguntar se estava tudo bem, depois de tanto tempo sem vê-lo. E lembro do quarto vazio e da sensação vazia que me dominou naquele momento.
Eu não havia percebido ainda que não iria mais ver meu avô até que minha avó me contasse. Eu não acreditei até ver o caixão e até ser proibida de voltar para o hospital. Pois eu voltava. Voltava todos os dias pensando que meu avô iria aparecer ali de novo. Mas ele não voltou.
Minha avó queria que eu passasse a morar com minha mãe a partir do dia que eu finalmente percebi que ele não voltaria. Ela odiava minha mãe, mas mesmo assim preferia que eu ficasse com ela do que na casa onde eu me lembraria sempre de meu avô. Ela me disse que as vezes me via chorando de noite. Eu não me lembro disso. Não me lembro de muita coisa. Talvez seja melhor assim, de qualquer jeito.
Algumas outras coisas podre sobre mim, e que sei que você já percebeu, é que eu sou egoísta. Não gosto de dividir minhas coisas, muito menos se forem pessoas de quem eu gosto, sinto como se fossem apenas minhas. Queria poder não ser assim, pois sei que as coisas não são desse jeito, mas eu não consigo. Eu não gosto de atrasos e 'to pouco me fodendo pra pessoa e para a maldita desculpa. Não gosto de ser trocada, ninguém deve gostar, mas...
Não gosto quando falam dos padrões de beleza e que, mesmo de brincadeira, me chamem de gorda, só porquê eu não tenho a barriga chapada. Foda-se para isso, eu tenho a porra de um espelho em casa e eu me olho nele todos os dias. Não preciso de ninguém falando nada disso para mim. Foda-se se tenho pouco peito. Foda-se se meu cabelo não é liso. Foda-se que eu tive que usar aparelho para ter um sorriso ajeitado. Foda-se que eu use óculos. Foda-se tudo!
Por que, caralhos, eu digo isso e mesmo assim me importo? Por que isso dói tanto? Eu sou hipócrita por fazer isso? Por sentir isso?
Queria poder falar um “foda-se” para você e seguir em frente. Queria poder apenas esquecer e dizer para mim mesma que eu vou encontrar alguém que não me faça sofrer desse jeito. Mas eu não consigo. Eu quero apenas você. O quão fodido isso é?
Isso me lembra uma música, aquela que diz “como isso pode ser feito por alguém tão sorridente? Oh, e o seu rosto tão bonito e doce. De um jeito tão feio. Algo tão bonito. Mas toda vez que eu olho o interior...” Isso me lembra você. Agora. Queria que fosse outra música, uma feliz e toda pomposa, não queria lembrar de você como uma pessoa ruim. Não gosto nenhum pouco de só conseguir lembrar disso em grande parte do tempo.
Decide, comigo mesma, que hoje será a última vez que vou te ver. Por que, toda vez que te vejo nesse estado, meu coração se parte cada vez mais. Não quero ficar mais destroçada do que estou. Não quero sofrer mais. Quero apenas... Apenas tentar esquecer. Então, talvez seja esse o motivo de eu estar escrevendo. Por tudo para fora para, enfim, esquecer.
Adeus, Matt.
Com todo o amor que tenho por você, desejo que seja feliz e que melhore.
Ellie.