Hoje foi um dia muito bom. Faturei um bom dinheiro no negócio que fiquei três meses coordenando. O dinheiro da comissão já está no banco e com certeza garanti o sustento e o padrão de vida para os meus netos. Na verdade, garanti o sustento dos netos dos meus netos, pois o futuro dos meus netos já está seguro há um bom tempo. Eles vão poder comprar seus iates e viajar pelo Mediterrâneo tranquilamente, sem precisar saber do meu esforço. Felizes deles e que aproveitem bem a minha fortuna quando eu morrer.
Mas enquanto estou vivo, quem aproveita do meu dinheiro é minha esposa — e o gerente do meu banco. Ao chegar em casa, certamente ouvirei todas as gastanças que minha mulher pretende fazer. Esquiar na Suíça, fazer compras em Paris, repousar nos antigos templos dos monges do Tibet. Chega a me impressionar a gama de atividades que ela arruma para fazer com o meu dinheiro. Mas felizmente ela não supera meu gerente. Eita carinha chato. Já joguei o meu celular fora pela janela do carro para não ouvir sua voz rouca querendo que faça investimentos e mais investimentos para triplicar minha fortuna. Como se eu precisasse de meu gerente para ganhar dinheiro. O problema é o que o infeliz é muito persistente e me livrar do celular não será o suficiente. Tenho certeza que antes de eu chegar em casa, ele já estará lá, a minha espera, enquanto aproveita para encher a cabeça de minha mulher de minhoca. Quando chegar, nem um afago nos meus cachorros poderei fazer, que os dois já estarão no meu encalço, querendo me mostrar suas ideias mirabolantes para torar minha grana.
Sabendo disso, farei um pequeno desvio de rota e chegarei mais tarde em casa. Não que é que não suporte o convívio com minha esposa e com o gerente do meu banco, mas é que eles têm o dom de complicar a vida. Se eu chegar em casa agora, só escutarei de cifras e de como usá-las pode ser trabalhoso e entediante. Não trabalhei tanto nesses últimos três meses para isso. Trabalhei para poder ficar um tempo de boa, relaxando sem me preocupar com dinheiro. E é por isso que esse desvio é muito esperto de minha parte, pois vou a um lugar que me entende perfeitamente: a minha cidadezinha natal.
— Ei, gurizada! Olha quem chegou! O fantasma Zezin!
— E aí, Jorjão, e aí gurizada! Tudo certo com vocês?
— Obviamente bem, Zezin! Não fomos nós quem ficou trancado num escritório por três meses sem aparecer.
— Bah, Jorjão, nem me fale. Esses últimos três meses foram cansativos demais, mas o negócio era bom. Faturei uma grana da boa.
— Tá com ela aí?
— Com a grana?
— É.
— Óbvio que não. Tá tudo no banco.
— Perfeito, porque se tu estivesse com a grana aí, ia dizer para tu leva-la ao banco, pois para onde vamos hoje à noite, ela não se faz necessária.
— Opa, isso me agrada. Onde é o churrasco hoje?
— No teu sítio, como sempre, haha. E sabe, isso até me intriga. Tu, que é um cara que adora tanto a simplicidade da vida, ficar três meses sumido, sabendo que teus amigos estão na tua propriedade fazendo aquilo que mais te agrada.
— Chega de ser dramático, Jorjão. Sumo três meses por ano e depois estou livre. Gosto do dinheiro e da falsa sensação de liberdade que traz, mas gosto mesmo é de um bom churrasco e uma boa cerveja.
— Hahaha. Tá certo, Zezin. Tu sabe, até hoje o Ricardinho tem inveja do teu negócio ter dado tão certo.
— Hahaha. Pobre do homem, ele tem que superar isso. Falando nele, ele estará no churrasco também?
— Com certeza. Só tu quem perde as nossas jantas de quarta-feira. Hoje o Canela vai trazer um barril de seu novo chopp artesanal. Espero que ele acerte dessa vez.
— Hahaha. Verdade. Senão, teremos que comer carne no seco.
Nasci, cresci e me tornei gente numa cidade pequena. Saí daqui aos 22 anos de idade, com uma ideia de negócio que me permitisse trabalhar apenas quatro horas por semana, mas acabei não tendo tanto sucesso. A ideia sempre foi estar junto aos meus amigos, meus familiares, à minha esposa e aos meus cachorros. Fazer meus churrascos, minhas viagens, meus jogos de futebol, minhas idas aos principais parques de diversão do mundo e encarar as mais intensas montanhas-russas. E para isso precisava de tempo e de um pouco de dinheiro. Acabei tendo um sucesso tremendo nos negócios, faturo infinitamente mais que preciso — e por isso faço muitas doações — mas que me privaram alguns meses por ano do que eu mais gosto. Fazer o que? É a vida. Mas felizmente, o que prevalece dentro de mim é a vontade de viver as pequenas coisas, de procurar e encontrar a felicidade e a motivação de viver no sorriso das pessoas que eu amo. Pena minha esposa não estar aqui agora... Eita! Minha esposa, me esqueci de avisa-la! Putz, serei fortemente espezinhado quando chegar em casa. Bom, paciência. Amanhã preparo um jantar bem gostoso, depois faço uma massagem bem relaxante e ela ficará calma comigo, afinal, ninguém resiste a esses pequenos e simples detalhes da vida.