Costumávamos nos deitar nessas gramíneas onde hoje me deito sozinha. Lembras, amigo? Tu costumavas pular o cercadinho e deitar bem aqui, do meu lado, por volta das nove da noite. Madame dava o toque de recolher e eu fingia que dormia, para depois fugir pelas trepadeiras da janela até o jardim florido e ali espera-lo.
Conversávamos com as estrelas, ouvíamo-las e brincávamos de esconde-esconde com os filhos da Lua. Tu eras meu parceiro, e eu nunca cheguei a agradece-lo por todos os sorrisos que me proporcionastes.
Mim e tu, oh, a dupla imbatível. Juntos compusemos a melodia do terror nas tias e tios da cidadela, sempre com as mãos cheias de pão, queijo e vinho. Memórias de um dia de sonho partido, quando éramos apenas crianças, sorrindo com a vida mansa.
Amigo, pergunto-me por onde tens andado. De certo já estás casado, provavelmente com aquela Fabiana que vivia a importunar-me. Tudo bem, tu nutrias sentimentos tão dóceis pela menina, não tenho nada a reclamar se feliz estás.
Às vezes pego-me pensando nos livros de adulto que líamos. Tantas palavras desconhecidas que hoje pronuncio sem o menor problema. Quem diria que a ladra de batatas um dia seria contadora? Quem diria que o espevitado pivete um dia seria advogado? Livros de adulto fazem essas proezas.
Lembras quando o homem do fim da rua cozinhava tortinhas? Éramos sempre os primeiros da fila para pegar um pedaço. Raul era seu nome, ou o nome de seu filho, ou o nome de seu neto. Não importa agora, se eu não me recordo imagine tu.
Às vezes pego-me andando pelos velhos pomares da casa da titia. Canto com voz desafinada as cantigas infantis que ela costumava recitar, rezando ao Pai para que adormecêssemos logo. Titia gostava muito de ti, embora ela o chamasse de moleque e proferia insultos sempre que o via pulando a cerca.
Oh! Que saudades que tenho da minha infância querida. Quando tu eras a aurora da minha vida e os anos nunca mais o trarão. Lembras dos amores suaves, das tardes meigas e do aroma do chá de madressilva? Talvez sua única lembrança seja a moça, sua vizinha, com a qual brincava na propriedade de distância imensurável.
Pois lembro eu, amigo, e que saudade tenho daquele tempo: quando costumávamos correr com afinco, à luz da noite e das sombras gentis das bananeiras, tropeçando nas ameixeiras, dormindo nos laranjais.