O relógio parou
Giordano
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 02/05/16 22:43
Gênero(s): Drama
Tags: Flashback
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 5min a 7min
Apreciadores: 6
Comentários: 3
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Palavras: 888
Livre para todos os públicos
Capítulo Único O relógio parou

Naquela noite eu estava deitado sobre o sofá olhando para a pequena parcela da parede visível da cozinha, atravessando o corredor com minha visão - e óculos -, observava o ainda não digital relógio, atualmente substituído por um, batendo ligeiramente cada segundo, mais três minutos e ouviria o relógio bater às sete horas da noite, algo passava na televisão, não me recordo o que poderia ser, pois minha mente não estava concentrando nas vozes que ecoavam do aparelho, estavam no relógio, no ainda não digital relógio!

Creio veementemente, caro leitor, que assim como eu estou agora, estás se perguntando, por qual freaking motivo alguém estaria observando o relógio apenas para vê-lo chegar às sete horas? Você possui algum tipo de retardo mental, jovem? Não, calma, inspire, espire, não, não tenho. Acontece que não reparei que estava fazendo o que estou, devidamente, relatando até alguns dias depois, talvez um mês, quando me encontrei revendo a situação do relógio, continuemos.

O relógio não digital me recordava da casa de minha avó paterna em minha cidade natal, sabe aqueles relógios extremamente antigos que, em filmes, todos os seres bem remunerados, com um zelo por suas quinquilharias, aparentam ter? Pois bem, minha avó não possuía um deste, mas uma parte de mim sempre quisera que sim, achava deveras empolgante um relógio gigante maior do que minha pessoa, quando criança, que bateria suas enormes badaladas e zuniria cada célula minha!

O relógio batia agora exatas sete horas da noite!!! Sabe por qual motivo eu esperava por este momento euforicamente? Motivo algum, não para euforia, ao menos, sentimentos? Vários, euforia não era um deles. Pouco mais das sete minha mãe recebe um telefonema e eu via no rosto dela que não podia ser nada de bom, nada bom, nada bom mesmo! Pois bem, eu estava certo, não desejei estar depois que me foi dada a notícia, mas sem jeito, não havia volta. Apesar de ainda criança – talvez um adolescente, provavelmente é como eu me autodenominaria na época, que seja adolescente então – senti na voz de minha mãe que não era em contar a mim que ela estava preocupada, era meu pai, era nele que ela concentrava a verdadeira preocupação de passar a mensagem. Triste, meu pai se quer em nosso estado estava, juntamente com minha irmã, estavam em São Paulo em um campeonato de Karatê, não consigo imaginar quão doloroso deve ter sido para meu pai receber a notícia, segundo ele mesmo me disse, posteriormente, foi minha irmã, ainda mais nova do que minha pessoa, quem o confortou na situação.

Não muito depois de recebermos a notícia, e repassá-la para meu pai, eu e minha mãe já estávamos arrumando uma mala, pondo o mínimo possível, apenas o estritamente necessário, a viagem não seria tão longa, dois dias e estaríamos de volta...

Malas prontas, pedimos carona para minha tia que morava no mesmo prédio durante a ocasião, ela lamentou o fato, deixou-nos na rodoviária e retornou para casa, nós fomos comprar passagens de ida para minha cidade natal, eu pagava meia, minha mãe, não; pagou no cartão e aguardamos no saguão por cerca de uma hora até que o ônibus azulado foi chegando, embarcamos e seguimos oito horas de viagem. Imagino que a viagem tenha sido bem mais penosa para ela do que para mim, na noite já completamente consolidada de um dia de emoções e aula que tive durante o dia, não temei muito em resistir ao cansaço, devo ter me segurando um pouco, mas não o suficiente para dizer que segui viagem.

Neste ônibus que eu estava geralmente há paradas secundárias durante a viagem, devido à sua extensão, para almoço, lanches, jantar, mas nesse dia, íamos em plena noite, as paradas resumiam-se às rodoviárias das cidades que passávamos, entre as constantes interrupções em meu sono devido aos buracos da estrada e luzes em meu rosto, eu observava o desembarcar e entrada de passageiros a maioria aparentava tranquilidade apesar das horas, ou talvez, devido ao sono das tantas horas acumuladas no dia, não conseguissem aparentar qualquer outra coisa.

Chegamos por volta do raiar do dia, antes de estarmos, se quer, próximos à casa de minha vó, eu já sentia o peso dos sentimentos de todos os demais que lá estavam. Chegamos, não era horário de desjejum, não ainda, não era horário algum para estar-se comendo ou, muito menos, com fome. Na realidade, a comida era parte vinda de amigos com seus sinceros dizeres de luto e a forma que minha vó sabia de manter-se ocupada.

Meu avô havia morrido, eu já sabia desde a noite passada...

Digo, eu sabia cinco anos atrás quando ouvi minha mãe receber o telefonema, eu sabia! Por qual motivo eu estaria surpreso então? Acontece que saber é algo, mas sentir todas as pessoas ao seu redor desabando em lágrimas, sentimentos e memórias de alguém que não mais verão, isto, isto é a realidade. Perceber que você pode fazer absolutamente nada, sentir-se completamente impotente para com tudo...

Acontece que saber era ruim em minha idade...

Ver todos despejando seus sentimentos e não conseguir soltar uma lágrima por alguém que todos os outros aparentam desaguar como afluentes, bem, isto é bem pior, é sentir o relógio estancar e enquanto estás completamente perdido na reação dos outros, acontece que você está reagindo também.

Você sente-se como, mas o relógio não parou, ele nunca para.

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Apreciadores (6)
Comentários (3)
Postado 07/05/16 11:41

Quanto foi o pacto pra sempre escrever divindades, Giordano?

Postado 07/05/16 15:05

shaushaushau segundo a PaLulita deve ter sido o coração kkk

Obrigado, julih! ^^

Postado 07/05/16 15:55

Bah, muito bom. Acho que incorportaste muito bem o tema proposto pelo desafio. E que história emocionante, ainda mais tão bem narrada. Parabéns!

Postado 07/05/16 16:21

Opa, valeu, Chico!

Postado 02/06/16 21:22

Acho que teu melhor conto até agr. Muito bom.

Postado 03/06/16 21:33 Editado 03/06/16 21:34

Obrigado, senhorita Ygritte.