Deitada sobre a cama, li e reli esse pequeno pedaço de papel, já velho e gasto pelo tempo e pelas inúmeras vezes em que eu havia dobrado e o desdobrado. Pela última vez, leio atentamente a cada palavra antes de guardá-lo novamente na gaveta e puxar a grossa coberta que estava em minha cintura para colocá-la até em meu pescoço.
Permaneci em silêncio durante algum tempo, observando o vento derrubar algumas folhas. A manhã estava completamente fria, o que não era muito habitual de se acontecer no verão, justamente no meio do mês de fevereiro que normalmente abriga os dias de temperatura elevada.
Um vazio surreal e excruciante estendia-se em meu interior, um vazio que não podia ser preenchido por nada, um vazio que pertencia somente a ele. Com essa certeza, eu sabia que essa manhã mudaria absolutamente a minha vida, permitindo que a mesma jamais volte ser como antigamente.
Observei lentamente meu quarto, notando uma nostalgia apoderar-se de mim ao mesmo tempo em que a tristeza dominava meu coração. Senti-me totalmente desgovernada e confusa ante a esses sentimentos. Sentia saudade dele, das conversas, das risadas, das palhaçadas, das atitudes dele que eu não concordava e ele descordando das minhas, das ajudas, dos alertas, dos questionamentos... De tudo. Tudo que se eternizou em fotos e lembranças.
Com um longo e tétrico suspiro, pelo canto do olho dei uma rápida olhada no relógio. Já era dez e meia, e nessa hora, o enterro já deveria ter terminado. Não que eu não gostasse tanto dele a ponto de nem sequer ir ao seu enterro, ao contrário; todavia, eu odiava velórios.
Eu já havia enterrado uma parte do meu coração que estava ligada a ela, a Alice, minha melhor amiga, minha irmã de coração, e agora eu vou presenciar o enterro da outra parte do meu coração que pertencerá a apenas uma única pessoa, a pessoa que amei com todas as minhas forças, alma e coração.
Sem hesitar mais um segundo, levanto-me e vou em direção ao meu armário, pego um vestido preto e um salto-alto - não tão alto - da mesma cor e me visto. Ao terminar, passo uma maquiagem preta e observo atentamente a minha imagem refletida no espelho. O preto da minha roupa entrava em contraste com a minha pele totalmente pálida, trazendo uma sensação de estar vendo uma fotografia de anos atrás. Uma fotografia em preto e branco, apenas.
Mas não era assim que minha vida se encontrava? Em pleno preto e branco, sem cor, sem vida, totalmente vazia? Como se, apesar de ser verão, eu vivesse em um frio e tétrico inverno.
Enxuguei com o canto da minha mão uma solitária lágrima que desceu pelo meu rosto, e decidi que já estava na hora de sair de casa para ir ao encontro do mais solitário e triste inverno que irei viver durante muito tempo.
Enquanto eu caminhava em direção ao túmulo dele, tive a sensação que a cada passo que eu dava um pedaço de mim morria. Observei rapidamente ao meu redor, não havia muitas pessoas presentes agora, eram no máximo três.
Não consegui evitar as lágrimas teimosas que começaram a cair quando eu li na lápide o nome da pessoa que fora muito importante na minha vida, a pessoa que amei e não sei se algum dia irei amar outra com a mesma intensidade e paixão.
Aqui jaz Leandro, um filho e amigo querido, que jamais será esquecido.”
Ler essa frase foi como se eu estivesse rasgando-me em pedaços. Leandro estava morto! Não que eu não soubesse, apenas essa era uma realidade que eu não queria acreditar, muito menos viver.
A nostalgia apoderou-se de mim quando as lembranças de Leandro emergiram da minha mente e eu novamente não consegui evitar o choro. Leandro foi quem me mostrara o quão bela pode-se ser a vida, e que independente dos demasiados problemas, não deveríamos desistir tão facilmente.
Aprendi com ele que ninguém sabe o porquê de estarmos vivos, muito menos o sentido que nos mantém nesse mundo. Todavia, é justamente por isso que estamos vivendo, para que possamos nós mesmos encontrar o motivo e o sentido de nossa existência. Porque é no decorrer do nosso caminho que descobrimos pelo que e por quem vale a pena existir.
E agora eu perdi a pessoa que me amou do jeito que sou, com meu estilo negro, minhas palavras desconexas, meus gostos diferentes, sem querer alterar em nada minha maneira de ser. Eu perdi a minha vida, o meu mundo, o meu tudo.
Leandro sempre estivera ao meu lado, sempre me apoiou, sempre me ajudou. Meu coração dilacerava-se em pensar que não verei mais os sorrisos dele que iluminavam meus dias enegrecidos, os cabelos louros que eu apreciava bagunçar, os beijos viciosos e os abraços que me aqueciam e confortavam-me em dias de dificuldade.
Levo de tudo isso uma única certeza: eu não irei amar outra pessoa com a mesma intensidade que o amei. Nem sei se irei querer amar outra pessoa.
Não me arrependo de nada do que fizemos. Apenas culpo-me por não ter passado mais tempo ao seu lado e por não dizer aquilo que ele já sabia, mas que, infelizmente, nunca pronunciei.
Com uma lancinante dor no coração e com uma lágrima solitária caindo pelo meu rosto, eu gritei, esperando que o vento levasse as minhas palavras até seus ouvidos, com a esperança que, onde quer que esteja, possa ouvir-me e saber que o que eu sentia por ele era puro e sincero.
- Eu te amo, Leandro, e te amarei para sempre e sempre, até o fim dos tempos.
Não pude controlar mais minhas lágrimas que caíam em abundância, e resolvi então não tentar controlá-las mais. Eu estava errada ao dizer que não me arrependo de nada que fiz ao lado de Leandro. Arrependo-me apenas de uma coisa: de não ter dito essas palavras que gritei enquanto ele estava vivo. Todavia, agora essas palavras nunca chegarão aos seus ouvidos.
As palavras que nunca te direi.