Saia de perto de mim
G Miguel
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 28/04/16 19:38
Gênero(s): Drama
Tags: Flashback
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 6min a 9min
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Palavras: 1093
[Texto Divulgado] "Não Pare de Olhar" Uma mulher, isolada em seu apartamento, começa a acreditar que está sendo observada por alguém no prédio em frente. A paranóia começa a crescer levando o limite entre sanidade e loucura se tornar cada vez mais tênue.
Não recomendado para menores de dez anos
Capítulo Único Saia de perto de mim

Boom!!! Foi a última coisa que eu escutei, aquele barulho estridente e aterrorizante, que mudaria a minha vida para sempre, trazendo coisas ruins, como o esperado, mas surpreendentemente também coisas boas.

A tubulação de gás do meu prédio explodiu e uma parte dele veio a baixo, eu estava do lado oposto a cozinha, do lado oposto a tubulação, estava na parte que ficou em pé. Saí da minha cama, aterrorizado, tentando assimilar o que tinha acontecido, tentando achar alguém, alguém que me trouxesse a sanidade.

E eu vi o céu, o lindo e maravilhoso céu noturno, cheio de estrelas e a lua cheia iluminando a noite, seria uma ótima vista, se eu não estivesse no meio do corredor, contemplando a metade do meu prédio destruído.

Nesse dia tive a maior perda da minha vida, toda a minha família, minha mãe, minhas duas irmãs e meu pai estavam jantando na cozinha, e eu tinha ido dormir porque tinha uma prova importante no dia seguinte.

No fim, perdi a minha familia e a prova, a maldita prova que tinha me feito ficar longe deles, e não curtir aquele último momento em familia, aquele último momento com aqueles que eu tanto amava.

Me mandaram para o hospital, um grande e sombrio prédio branco, com aquelas letras vermelhas, será que simbolizavam o sangue das pessoas que morreram ali? Talvez.

Uma enfermeira veio ao meu encontro, aparentemente muitas pessoas estavam feridas e os médicos estavam ocupados com os outros, e como eu tinha ferimentos leves (na verdade eu não tinha ferimentos), ela veio até mim.

Não lembro bem o que ela disse, eu estava em um estado de inércia, não conseguia falar nada e nem mudar a expressão de "sem vida" do meu rosto. Fui levado a uma sala, fiquei um tempo esperando algo acontecer e com isso consegui observar bastante o lugar, tentei não pensar em nada, e observar aquele lugar era minha única alternativa para isso.

Era uma sala simples, de paredes bege, uma linda mesa de vidro com pés pretos, um divã, uma estante cheia de livros e da janela era possível ver a lua perfeitamente em sua grandeza e majestosidade.

A porta abriu e eu reparei que estava chorando, uma médica, provavelmente nos seus 22 anos, me olhava com compaixão, como se ela estivesse ali para me apoiar, me dar suporte.

Ela entrou e chegou perto de mim e o meu primeiro extinto foi abraça-la, algo em mim dizia que eu podia fazer isso, que eu precisava fazer isso. Ela acariciou meus cabelos enquanto eu chorava e chorava agarrado a ela, encharcando completamente sua blusa.

Quando parei de chorar, me separei dela, um pouco envergonhado. Ela se sentou do outro lado da mesa, e perguntou meu nome e a minha idade, eu respondi "Benjamim, 20 anos", ela apenas disse "Tudo vai ficar bem", e com aquela frase eu encontrei a paz.

O seguro me deu um apartamento novo, durante muito tempo eu ia ao hospital algumas vezes na semana para conversar com ela, sobre a minha vida, sobre as dificuldades, sobre como estou passando por isso, e fazer isso era algo realmente reconfortante.

Começamos a sair, ir a restaurantes ou cafés, e ela se tornou uma amiga para mim, bom, ao menos no começo. Eu me apaixonei, eu comecei a depender dela, sabe? Se eu quisesse ter paz, era ao lado dela que eu tinha que estar, era com ela que eu sabia que tudo estava bem.

Eu me declarei, estávamos tomando café e quando eu pensei ser o momento certo comecei a falar: "Raquel, você acredita no amor? Qual a sua definição para ele? Antes de você dizer deixe eu te contar a minha definição: Para mim, quando se ama alguém, a sua vida passa a depender da pessoa, você só se sente completo perto dela, você só se sente plenamente feliz quando ela também está feliz, você conhece essa pessoa como a palma da sua mão, cada expressão dela você já sabe o que ela pensa. Para mim amar é dar a sua vida apenas para que aquela pessoa que você ama seja feliz, e Raquel, é isso que eu sinto por você.".

E sem eu esperar, ela veio até mim e me beijou, e aquele foi o momento mais feliz da minha vida. Minutos mais tarde, quando saímos do café, um assaltante, um desses meninos de rua, tentou nos assaltar, e como achou pouco o que conseguiu, esfaqueou Raquel, levando ali a vida da última pessoa viva que eu amava.

Será que eu sou amaldiçoado? Era o que eu pensava todo dia, todo o tempo. Eu perdi meu emprego, não saía de casa, era um prisioneiro da minha própria tristeza, estava com medo de amar mais alguém e essa pessoa também morrer.

Eu fazia faculdade de medicina, estudava para salvar os outros e no fim não consegui salvar quem eu amava, irônico, não? Enfim, um belo dia ouço a campainha tocar, estranho, ninguém nunca me visitava, decidi não atender. A pessoa continuou a tocar a campainha, e fui obrigado a ir atender.

Quando abri a porta, encontrei meu professor de anatomia, algo que me assustou. O que ele estava fazendo ali? Eu tinha abandonado a faculdade. Permiti ele a entrar, e ele se sentou em meu sofá. Ele ficou em silêncio. Apenas sentado me obsevando.

Perguntei o que ele queria, o porque de ele estar ali, mas ele nada respondeu, apenas continuou sentado. Impaciente, me sentei no sofá a sua frente e fiquei encarando-o. Depois de um tempo, ele decidiu falar, e com uma frase me fez mudar.

"Não desista, pois do jeito que você sofre hoje, pessoas vão vir a sofrer, e por sua causa, porque não tem um médico para salvar quem elas amam.".

Depois de falar isso ele se levantou e saiu, simples assim.

Naquele momento eu vi que, eu não podia ter feito nada para salvar aqueles que eu amo, ninguém podia, mas eu podia tentar não deixar as pessoas sentirem o que eu estava sentindo, podia salvar a vida de quem elas amam, ou ao menos tentar isso, eu podia dar-lhes uma chance, algo que eu não tive, mas faria de tudo para ter tido.

Voltei a faculdade, me formei e hoje sou cirurgião de trauma, luto a cada momento para salvar a vida dos outros, e de algum modo isso me salvou, porque quando você salva uma vida, quando você vê um familiar sorrindo, te abraçando, chorando de alegria, você vê que tudo aquilo valeu a pena, e é por isso que eu estou aqui.

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Comentários (1)
Postado 01/05/16 19:56

Muito bom. Gostei de como abordaste o tema. Parabéns e sucesso!