Dois olhares se encontraram, consumidos pela chama da rivalidade. Safira contra esmeralda. Água versus natureza. As madeixas de uma estava solta; já a outra, preso em um rabo de cavalo bem alto e firme. Ambas usavam o típico kimono branco de karatê. Contudo, uma possuía a majestosa palavra japonesa, bordada em dourado, que significava campeã.
A menor, de olhos azuis, engoliu em seco. O cabelo solto, que ia até a cintura, fora rapidamente preso num coque mal feito. Estava pronta para, finalmente, conseguir o que tanto almejava depois de mais de três anos: derrotar aquela que sempre, durante todos esses anos, a diminuíra.
Então, sorriu.
— Eu não falharei. — Disse enquanto a reverenciava. — Oss!
A maior permitiu-se sorrir de forma debochada. Esse seria apenas mais um dia cuja vitória seria dela e fim. E isso só a faria zombar ainda mais da pequena Victória, dizendo-lhe que desonrava o próprio nome.
— É o que veremos. Oss. — Ela, então, após reverenciar a oponente, colocou-se na base Hangetsu Dachi.¹
Victória a observava como uma leoa. Os olhos estavam semicerrados enquanto o corpo inclinava-se para frente, o joelho direito dobrava-se na mesma direção que o tronco e a perna esquerda deslizava para trás, postando-se na base Zenkutsu Dachi e levantando as mãos, deixando-as na frente. Executava, assim, a famosa defesa do Karatê: Age Uke.
Se acalme. Espere. Ela vai atacar.
O suor escorreu pelo rosto da jovem enquanto esperava, aflita, pelo movimento da campeã daquele dojo. Victória tentava, a todo custo, manter a mente limpa e focar nos pontos fortes e fracos de seu corpo e do corpo da outra. Ela era boa com as pernas; a maior, com os braços. Respirou fundo e, fechando as mãos ainda mais forte, manteve a cabeça erguida, desafiando sua oponente apenas com o olhar.
Então, a campeã movimentou-se. Semelhante a um gato, repleto de destreza, agilidade e sutileza, desferiu um Kizami Zuki², apenas para demonstrar toda sua rapidez. E, de fato, como era rápida! Victória mal teve tempo de defender-se, sentindo o punho da outra pegar de raspão em seu queixo. Ela recuou, desajeitada, com os olhos arregalados.
Continua a mesma... Ágil demais... Rápida demais... Forte demais...
Então, deslizou a perna direita pra frente, dobrando a esquerda para trás e colocando todo seu peso nela enquanto os braços tomavam suas posições: o canhoto logo abaixo do seio, com a palma da mão virada para cima, aberta. O destro, na frente, um tanto dobrado e com a mão também aberta.
Ambas se encararam por mais um tempo e, então, partiram pra cima. A maior, desferia vários socos, de todos os lados, enquanto a menor defendia-se. Conseguira, finalmente, aperfeiçoar suas defesas e, além disso, afinar sua atenção. Enquanto movimentava-se como uma pluma, escapando dos golpes da outra ou evitando que eles a acertassem, prestava atenção em todas as aberturas que a grande campeã deixava.
Ela abaixa a guarda pra atacar. Meio se desespera pra conseguir acertar, mas logo e recompõe e consegue escapulir. Seus golpes são poderosos, de fato. Se eu for pega, com certeza não vou conseguir com facilidade.
Então, os olhos azulados captaram uma brecha. A guarda baixa que a outra deixara, enquanto tentava movimentar pra frente e golpear era perfeita. Deslizou, então, para o lado, sentindo o vento assobiar em sua orelha conforme o soco passava ao seu lado. A perna dianteira moveu-se rápido, encaixando no pé da outro, como um gancho e puxando-a para frente, desequilibrando-a. Agarrou-lhe pelo kimono, indo para o chão do tatame com ela, com a mão logo acima de seu rosto.
— Acabou. — Victória sorriu.
Depois do banho bem merecido, Victória saiu do banheiro da academia trajando roupas simples de ginástica. Uma toalha branca envolvia sua nuca e caia pelos ombros da garota e seus longos cabelos loiros estava soltos e molhados. Estava prestes e sair, pegando seu iPod para ouvir um pouco de Bon Jovi, quando ouviu alguém chamar-lhe:
— Victória!
Olhou, então, para trás. Era ela. A sua rival. Ela caminhava, com um sorriso no rosto, trazendo nos braços um kimono. Chegando perto da menor, ela entregou-lhe o traje e saiu, deixando um bilhete nele.
Victória, então, pegou-o e começou a ler. Sorriu e entrou em seu carro, conectando o iPod no USB para colocar a música para tocar. Então, rumou para sua casa, relembrando todas a palavras que continua no bilhete.
Isso agora pertence a você. O kimono de uma campeã. Você o merece mais do que eu, de fato. Parabéns. Continue treinando duro, garota você vai longe.