Estava sossegado aqui em casa e batem à porta. Lá fui eu atender. Abro e dou de cara com um desconhecido. Pergunto a ele o que ele quer. Ele não hesita e me diz:
- Sou repórter e trabalho para a revista xxx.
Eu digo a ele:
- Sei, mas eu não entendi bem o que quer.
Ele me diz, educadamente:
- Queria uma entrevista com o senhor.
Eu sei bem da revista xxx. É uma revista literária. Não estou nas mãos do perigo. E concedo a entrevista, mas peço a ele que entre e ofereço-lhe o sofá para que se acomode.
Ele, assim que pode, me pergunta:
- Como foi que o senhor chegou a escritor?
- Precisei de muito tempo. Já vinha com a idéia desde jovem. E hoje aí estou, escritor.
- Foi por causa do prestígio que emprestam á palavra escritor?
- Nada. Veja bem, quantos escritores os senhores repórteres conhecem. Somos pessoas como outras quaisquer.
- Mas então porque o senhor praticamente viveu pensando em ser escritor?
Eu o olhei, ele sabia bem as artimanhas de uma entrevista. Mas não me demorei, e respondi:
- No príncipio até que eu imaginava que os escritores eram especiais. Mas hoje eu sei que até eu posso ser escritor.
- Então?
- Nada de mais, basta querer muito. Levar uma vida parcimoniosa, de conforto. No meu caso é isso.
Era o que ele queria saber. Deu por bastante. Eu o levei até à porta e nos despedimos. E no meu caso eu fizera valer os frutos de meu trabalho de burocrata antes de virar escritor. Só que a vida inteira eu li muito e rascunhei bastante.