— O que aconteceu conosco?
— Nós terminamos. A uns quinze metros atrás, ou melhor, dois silêncios constrangedores atrás.
— No final das contas não restou muito a se falar, não? Não está bravo?
— Não. Não quero lembrar de nós dois assim.
— Às vezes eu gostaria de alguma reação mais explosiva da sua parte, mas não estou em posição de exigir nada agora. Eu me sinto mais leve.
— Triste?
— Talvez um pouco. Não sei direito como acabamos aqui, as coisas só acabaram estranhas entre nós dois. Acabaram os risos, o conforto. Tudo tornou-se inquietante e solitário. Estar ao seu lado era como estar sozinha.
— Uau, não esperava essa chuva de sinceridade.
— Você perguntou. E como não estamos mais juntos, vamos ser sinceros sem medo de tornar as coisas ainda mais esquisitas, nós não nos falávamos mais de qualquer forma.
— Tenho que concordar, infelizmente. Acho que nos tornamos dormentes com o nosso relacionamento, apenas levamos a coisas de forma séptica e opaca, o que existia entre nós dois foi diluído aos poucos.
— Sim, é uma forma bonita de dizer que perdemos o interesse um no outro. Tão diferente do início, não resta esperança.
— Pelo menos quebramos o silêncio. E isso é tão triste e desesperado, chegamos tão fundo que só o que nos conecta agora é falar do passado.
— Olhar para o celular ou distrair-se com a paisagem do lado de fora da janela certamente é mais confortável do que encarar a verdade. E foi isso que aconteceu, apenas estivemos seguindo por todo esse tempo porque era confortável e mais fácil.
— Acho que…
— Sim?
— Acho que tudo começou a mudar quando ficamos confortáveis em não envolver tanto o outro nas nossas vidas individuais. Achamos que estaria tudo bem, desde que sempre mantivéssemos a confiança mútua que deu tão certo no início.
— Ah, sim. A linha tênue entre o silêncio íntimo e a falta de interesse.
— Não percebemos essa oscilação antes.
— De forma alguma. Nós escapamos um do outro, assim como nosso amor escapou dos nossos laços. Você foi bom para mim, nós fomos um bom casal, mas acho que essa foi a última vez, a noite está linda e fria para uma despedida.
— Ah, sim, é apropriado. Combina conosco.
— Mais do que eu queria admitir. Não vamos chorar ou brigar, certo? Não acho que eu tenha energia para isso, não acho que essa partida seja dolorosa o bastante.
— Não, vamos sair com dignidade. Essa é a conversa mais longa que tivemos em meses, não vamos estragar essa memória na despedida, aliás, houveram boas memórias para você também?
— Que fofo, você quer guardar esta caminhada numa noite infinita como a última página de um relacionamento agridoce?
— De certa forma, sim. Estou feliz com esse final, não acho que podemos estragá-lo com meias palavras, porque não resta mais esperança para nos dois. Nós dois não estamos mais doentes de amor, nem cegos pela felicidade e a magia desapareceu no ar faz algum tempo. Não existem culpados e tampouco vítimas. Apenas aconteceu.
— Foi o momento certo, mas com as pessoas erradas, creio, para nós dois. Está tudo bem. Respondendo à sua pergunta anterior: sim, eu tenho boas memórias. Como eu disse, nós fomos felizes por algum tempo, pelo menos eu estava. Eu me sentia especial e espero que você faça a próxima garota sentir-se assim também.
— Fico feliz de ouvir isso.
— E eu?
— O que tem você?
— Também deixei para trás momentos felizes ou esta é a única memória sobre nós dois que você vai guardar?
— Não, eu me diverti bastante. Você era espontânea, afiada, inteligente. Quero dizer, você ainda é tudo isso, apenas não é mais confortável para você ser tudo isso comigo. Sendo bem sincero, naquela época eu te amava, embora não tivesse admitido.
— Sim, eu também. Achei que seria para durar, eu sentia que te amaria por muito tempo depois dali.
— Três anos é muito tempo, acho.
— Depende do ponto de vista. Quero dizer, acho que não estávamos mais juntos faz quase um ano, apenas não tínhamos admitido, de tão dormentes, como você mesmo disse, creio.
— Olhando em retrospecto, realmente faz sentido.
— Minha frustração me diz que não deveríamos ter acabado assim, por isso perguntei o que aconteceu conosco. Entretanto, por mais que nós dois fiquemos aqui balbuciando sobre o passado, eu e você sabemos o que houve, mesmo que não haja um motivo específico.
— Então, o que propõe?
— Ah, bem...não estava pensando em nada específico, mas agora que falou, podemos nos dar um motivo? E um adeus menos indiferente? Sabe, havia um tempo que éramos espontâneos.
— Certo, tudo bem. Vamos voltar ao início.
— Acho que não precisamos ir tão longe. Vamos voltar ao começo do ano.
— Ok...por onde eu começo?
— Pelo que éramos há oito meses, o que não é muito diferente de agora.
— Ok. Jessica…
— Yuri…
— Jessica…
— Yuri? Você está com medo de terminar comigo de novo?
— De novo? Foi você que terminou comigo.
— Estamos oito meses no passado, então agora é a sua vez.
— Tudo bem, eu consigo.
— Yuri, tem algo a me dizer?
— Não sei o que aconteceu conosco, mas não nos falamos mais. Esses silêncios confortáveis são, na realidade, uma ruína dolorosa e silenciosa, você sabe, eu sei. Por isso, vamos manter tudo isso real, pelo menos a parte em que prometemos ser sinceros um com o outro e terminar tudo por aqui, para podermos seguir em frente e finalmente acordar desse sonho incolor e insípido de indiferença. Você sabe que é isso que precisamos, Jessica. Satisfeita?
— Muito. Está tudo bem, Yuri. Vamos seguir os nossos caminhos agora e, em uma dessas noites frias, nos encontrar novamente como uma memória borrada de um passado quase esquecido na vida um do outro. Eu vou manter as boas memórias, espero que você faça o mesmo. Agora estamos livres para sermos nós mesmos de novo.
— …
—...
— Jessica?
— Sim.
— O que aconteceu conosco?
— Apenas não nos amamos mais e está tudo bem, pelo menos temos boas memórias.
— Sim, essa é uma boa resposta.
— Adeus, Yuri, espero que você possa encontrar a felicidade verdadeira.
— Adeus, Jessica. Vou tomar conta deste último momento, seja feliz.