antes do amor
eu me tinha
sóbria e sã
e centrada
e doce e macia
e cintilantemente
perdida
antes do amor
eu tinha medo
do escuro
e de janelas abertas
e de portas que rangem
e de profundos cortes
e de me jogar
de cabeça
antes do amor
eu não sabia
de nada
era apenas uma
pequena sonhadora
voando por aí sem asas
então aconteceu
tantas e tantas vezes
que jurei que seriam pra sempre
que desmembrei-me em prantos
e assombrei cantos
e assassinei sentimentos
e fiquei com a sensação
incessante
de ter membros fantasmas
pesando em meu corpo
cheguei em um ponto
agora, mais velha
com a cabeça pesada
os olhos cansados
a mente estilhaçada
que sei bem mais do que
deveria
sou uma observadora excessiva
coço os olhos demais
tudo parece ser apenas
uma onda alta,
salgada e passageira
eles me veem e se encantam
e me dizem o quão perfeita
e incrível sou
e então, alguns dias se passam
e de repente, não sou mais nada
do que antes
cada língua esboçou
lido com o peso das eras
o peso da promessa
de ser uma mulher incorruptível
e ao mesmo tempo livre demais
para ser previsível
minhas surpresas se tornam espinhos
na rotina vazia
de corações tão solitários
eu abafo suas chamas?
pareço demais?
tudo o que os atrai
em mim
também os fazem se
afastar sorrateiramente
meias palavras, em silêncio
nem se despedem
me deixando pra trás
onde mais nada me apraz
acho que tudo só aparenta
ser sempre profundo
pois me esforço para que seja
só pela aventura
de me apaixonar e me quebrantar
de novo e de novo
o para sempre
existe apenas na ficção
antes do amor
eu me tinha
sóbria e sã