Eu pensei que eu já tinha te enterrado
Mas acho que não foi tão fundo assim
Sempre volto ao seu túmulo
Rego as flores que plantei
Limpo a poeira
Aparo a grama
Converso com o vento
Piso nas sepulturas ao redor
Só me sinto em casa
Olhando pro seu rosto vivo
Sua risada ecoando
Sua face ficando vermelha
Por alguma atrocidade
Que dissemos
- Ah, que vista!
Você é uma aparição inteligente
Aparece quando estou pensando em você
Nunca romanticamente
Mas está sempre ali
Ao alcance
Cutucando minha costela com espasmos
Arranhando meus pés na cama
Se assentando sobre o travesseiro
Passando de raspão
Pelo canto da minha vista
- Ah, que quase conquista!
Você assovia
Eu sigo o som
Você fala
Eu ouço apenas o bom
Um espírito habilidoso
Que tem o poder de me deixar
Completamente paralisada
Volto pra casa aos soluços
Humilhada, desesperançosa
Que agonia esse nosso enterro
- E nosso avivamento
Dia após dia
Acho que ainda há terra
Embaixo de minhas unhas
Há pele imaginária,
E ossos e arcada dentária
- Que eu queria ter tirado de você.
É como se você fosse
Um desejo póstumo
E eu na verdade,
Fosse um obsessor amigo
Que está ali do lado ouvindo
Rindo, ralhando, acudindo...
Mas suas vestes tão alvas
Seu clubismo santificado
Seu coração intocável
É, acho que você nem me vê
Mas sei que, de alguma forma
Você pega o tabuleiro
E todo seu aparato
E tenta fazer contato...
Por que, por quê?
Não posso ser exorcizada
- Mas você fará isso pela cultura
Não posso ser encaixotada
E jogada no rio
E presa num círculo de sal
Mas você parece querer
Usar aparelhagens de caça fantasmas
E benzer meu rosto rasgado de entidades
Me alimentando com oferendas de paz
Então me perfurando
Bem no coração...
Qual é a sua missão?
Eu caminho por muitos mundos
Mas não me sinto perdida
Eu vago rápido
Como fogo em uma descida
Não sei o que fazer comigo
Queria que você psicografasse
Meu tormento
E abrandasse de alguma forma,
Mas não devo me aproximar
- Ah, que contradição
Faço isso dia sim, dia não
- Pra eu não me acostumar...
Me odeie,
Homenzinho curioso,
Me deteste
Me expulse
Me vomite de sua boca
Sou um espírito zombeteiro
Eu jamais poderia nos dar paz.