Na época éramos conhecidos,
E o seu aniversário se aproximava,
E a ideia que deu na minha mente disparsa,
Foi de te escrever alguma poesia, alguns poemas, que eu julguei mui bem escritos.
Neles consegui declarar o meu amor, o meu anseio, a minha admiração,
Neles consegui expressar a dor que me causava estar distante do seu coração.
Você agradeceu, e depois de ler disse que gostou muito, mas que estava precisando mesmo era de dinheiro.
E gostou mais do segundo presente, uma pulseira de ouro e um convite para sair.
Ele te traiu, desapareceu, deixou-te só e com a tua mãe para criar a menina que nasceu do "amor" entre vocês,
Agora é seu aniversário de novo, e eu quis corrigir o meu erro anterior: te dei dinheiro.
DInheiro para comprar o leite da criança, dinheiro para amenizar o peso dos custos de vida, dinheiro para você talvez sair, curtir um pouco a vida, como antigamente, Ofereci-te também a minha companhia.
E você agradeceu, e me abraçou, e disse que é claro que aceitaria sair comigo, e chorou nos meus ombros.
"O dinheiro está tão raro hoje em dia! [...] Vamos ter luz até o fim do mês! Se não fosse por você, ficaríamos sem energia elétrica ou racionando comida (teríamos que escolher) até o salário cair na conta, dia 30"
Mas, depois de tudo isso, seu olhar continuou com aquela falsa felicidade que oculta um velho desespero.
Afinal de contas, a vida ainda estava diante de ti - ainda tinha a filha para criar, a própria vida para tentar viver nos breves momentos nos quais a vida real é possível em meio à vida materna, a vida profissional, acadêmica.
A vida ainda estava aí, diante de ti, e assim estaria até que você por fim morresse.
E daí, creio eu, o olhar vazio - o sútil desespero de saber que a vida continuará.
E então percebi que cometi outro erro dessa vez - te dei dinheiro, mas deveria ter te dado também poesia.
Talvez, com a poesia, o desespero não seria desespero, mas esperança.
Esperança de que, apesar dos apesares, apesar da vida continuar, ela ainda tem muito para te dar.
Pois há tanta beleza entre o brutalismo das grandes cidades,
Tanto amor oculto pelas nossas máscaras de ironia ,
Tantas dores em cada coração, tantos ouvidos para escutarem essas dores, e tantas mãos para curá-las...