A solidão dos outros é sempre maior. Mais importante. Mais dolorida. Mais ácida. Ela corrói mais e também arde mais. Quem fica com a parte da barriga reclama, porque queria o lombo porque lá tem mais carne e a delas só não é a melhor porque tem gordura e ninguém disse que carne perto da gordura é a mais saborosa (é). E quem fica com o lombo reclama, porque queria a barriga porque lá tem gordura e a deles só não é a melhor porque tem mais carne e ninguém disse que lombo é o mais saboroso (é).
Eu fico com a ossada. Limpa. Sem nada. Só osso. Duro igual concreto. Pego na mão, vejo: limpinho! Não sobrou nada. É por isso que ninguém quer. Ninguém nunca vai querer. Só eu. Eu os penduro no teto, monto como se ela estivesse viva. Me imagino dentro da barriga dela. Comido. Mastigado. Trucidado. Eu não tenho fome de osso (ninguém tem). Nem de barriga, nem de lombo. eu não posso ter fome (muito menos de barriga ou de lombo).
O osso é do museu. Da ciência. Pra inglês ver. Ninguém quer o osso. Eu não quero porque tenho fome. Eu quero porque posso montar a baleia acima da minha cabeça. Ninguém nunca vai querer uma baleia dessa se for só para ter o osso. São eles que sobram quando todo mundo come. Eu sou o último da fila.
Um dia ainda quero pegar uma baleia inteira, mas tem que ser inteira e ela precisa estar viva. Quero saber como é ter um lombo para chamar de meu e uma barriga para chamar de minha. Como é chupar a carne dos ossos? Como é sujar o beiço de gordura? Todo mundo sabe, só eu que não. Sou caçador e comedor de osso. Pra mim não sobra nada. Só os ossos que eu mastigo. Ossos de baleia. É isso que sobra pra gente como eu.