Louca(mente)
Yvi
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 31/10/23 01:23
Editado: 03/11/23 23:25
Tags: Halloween
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 12min a 16min
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Palavras: 2016
Não recomendado para menores de dezoito anos
Capítulo Único Louca(mente)

No final do ano de 2016, o corpo de uma jovem foi encontrado com a cabeça estilhaçada. Os policiais alegaram que a vítima havia levado um tiro em cada perna e que a última bala foi desferida com a arma encostada em sua cabeça. Com ela, encontraram um pequeno diário de capa azulada.

Existiam frases desconexas, muitos rabiscos e alguns relatos sobre acontecimentos perturbadores envolvendo a universidade do distrito T, Academia de Contos. Algumas páginas continham relatos detalhados de como uma aluna teve sua pele arrancada do corpo durante uma aula de química. Outra história vazada foi a da equipe de natação, que saltou para a morte em uma piscina inundada de ácido sulfúrico. Muito foi investigado, mas nenhuma resposta foi encontrada. Não havia nada sobre a garota morta e muito menos sobre o diário que ela carregava. Tudo que se sabia era que os relatos eram de outubro daquele ano, o mês do Halloween. O caso acabou sendo arquivado depois algum tempo.

Os moradores começaram a disseminar a hipótese de que aquele diário era apenas coisa da cabeça daquela jovem perturbada e que o assassinato dela foi algum tipo de acerto de contas. Outros acreditavam que alguma entidade maligna havia feito aquilo, uma vez que o diário continha detalhes bizarros sobre pássaros zumbis, mortos-vivos e lobisomens.

Algo terrível aconteceu naquele lugar e eu vou descobrir o que foi!

03 de agosto, Academia de Contos – ST

Hoje é o primeiro dia de aula. As pessoas parecem animadas além da conta. Muitos aqui são alunos antigos, e parecem ansiosos. É estranho, mas eu me preparei muito pra isso e sei que posso me adaptar.

Durante o acolhimento foi anunciado que uma nova diretora estava assumindo a universidade. Aparentemente a antiga havia perdido a cabeça ou virado cinzas... As duas opções, eu acho. Essa é a primeira coisa estranha e as aulas ainda nem começaram.

A nova diretora fez um discurso bonito e pediu para que todos os alunos passassem pelo cemitério, para fazer uma espécie de homenagem a falecida. Pelo que entendi, o cemitério é povoado por alunos e funcionários. Bizarro.

10 de agosto, Academia de Contos – ST

Fiz amizade com um grupo de acadêmicos. Ratos de biblioteca, para falar a verdade. Todos parecem saber muito sobre a AC, mas ninguém parece muito disposto a conversar sobre. Um deles chegou a brincar, dizendo que o espírito da antiga diretora iria fazer companhia ao espirito do primeiro diretor da Academia. Um outro completou dizendo que é possível ver o fantasma do Chefe Soberano acenando pela janela da sala da diretoria, mas só no final do semestre, quando todos estão voltando para suas casas.

Acho que estão tentando me assustar, mas eu não posso desistir com o primeiro obstáculo. Preciso encontrar a verdade.

30 de agosto, Academia de Contos – ST

Passei pelo cemitério da Academia hoje, como a diretora pediu. Foi a minha primeira vez lá. Não sabia que existiam tantas covas. Acendi uma vela de abóbora para os mortos e caminhei um pouco, observando os nomes nas lápides. Dois me chamaram atenção: Pamela e Giordano.

A polícia, de alguma forma, chegou ao nome desses dois, mas eles nunca foram encontrados. Se realmente mataram a moça do diário, alguém acabou se vingando. Ou eles simplesmente morreram de causas naturais.

Essa é a primeira pista concreta que eu encontrei. Será que algo realmente aconteceu aqui e todos sabem, mas escondem? Preciso de respostas!

11 de setembro, Academia de Contos – ST

As aulas aqui são realmente muito estranhas. Estudo sobre criaturas da noite, defesa contra lobisomens, esgrima, astronomia, poções e outras esquisitices. Se o lugar fosse um pouco mais mágico, eu poderia chamar de Hogwarts. Estou começando a gostar daqui.

20 de setembro, Academia de Contos – ST

Uma coisa estranha aconteceu hoje. Eu estava no banheiro que fica próximo à sala da diretoria, quando algo passou no espelho. Foi rápido, mas vi um buraco de bala e a palavra Paz ficou marcada no espelho.

A comunidade Acadêmica, por mais desunida que seja, se protege muito. Eles não falam sobre o que acontece dentro dos muros da AC nem mesmo para os novos alunos. Tenho certeza de que, se o diário não tivesse caído nas mãos da polícia, até hoje as coisas estranhas que acontecem não seriam conhecidas.

Não que a população pareça se importar muito. Os moradores do Distrito T estão cagando e andando para as possíveis atrocidades que acontecem aqui. Tirando um ou outro policial que ainda insiste em tentar investigar, ninguém realmente liga. Na verdade, acho que nem eles ligam, só estão curiosos para entender.

30 de setembro, Academia de Contos – ST

Descobri algo hoje. Os ratos da biblioteca deixaram escapar que todo mês de outro acontece um evento na Academia. Isso justifica a agitação dos alunos e a impaciência dos professores. A nova diretora parece muito nervosa também.

A editora de um jornal da Academia me contou que a diretora quase morreu durante eventos misteriosos do último Halloween.

A minha teoria é que, o que quer que tenha acontecido com a moça do diário, foi durante o Halloween. Perguntei por aí, mas ninguém lembra do que acontece, por mais que todos pareçam saber muito bem o que se passa nesse maldito lugar assombrado.

1 de outubro, Academia de Contos – ST

Finalmente é outubro! Se o que os ratos contaram for verdade, alguma coisa muito macabra vai começar hoje e eu finalmente vou conseguir descobrir o que aconteceu com a moça do diário.

Já passa do meio dia. Estou um pouco frustrada. Não percebi nada estranho até agora, até as aulas estão normais. Acredito que esse tenha sido o dia mais normal desde que cheguei aqui. Não vi nenhum vulto, nenhuma luz piscando, nada de mensagens em espelhos, as pessoas não falam mais sobre fantasmas ou qualquer coisa do tipo.

O que está acontecendo aqui? Eu fui enganada esse tempo todo? Eu quero respostas! Preciso de respostas!

2 de outubro, Academia de Contos – ST

Acordei desanimada, pensando em abandonar o campus. Fiz as malas e tentei sair, mas desisti no meio do caminho. O salgueiro que fica de frente para a janela da biblioteca estava tombado.

Uma voz sussurrou na minha cabeça “a maldição foi iniciada”. Um arrepio percorreu todo meu corpo e eu comecei a sorrir. Então é isso? O campus é amaldiçoado? E, aparentemente, todos querem que ele continue assim?

Bom, vamos ver o que essa maldição reservou para o meu primeiro ano aqui.

5 de outubro, Academia da Chacina – ST

Acordei com os corvos na minha janela. Um deles estava todo esmagado. Abri a porta do quarto e me deparei com as vísceras de algum animal fazendo a vez de tapete. Fui tomada por uma vontade louca de colocar meus pés naquele amontoado de entranhas ensanguentadas.

O time de vôlei usou cabeças humanas como bolas, e todos pareceram amar a ideia. Eu vi uma das animadoras de torcida se oferecer. Contei doze cabeças.

Começo a entender o motivo do cemitério ser tão lotado. Ninguém sente falta dos mortos?

10 de outubro, Academia da Calamidade – ST

Conversei com o meu reflexo pela primeira vez. Que emoção! Estava no banheiro, peguei a escova de dentes, mas ela não. Ficamos nos olhando por um tempo. Eu tentei convidá-lo para tomar um chá, mas ela me respondeu com um grunhido estranho, deu as costas e sumiu. É assim que os vampiros se sentem quando olham no espelho?

Espero que meu reflexo volte logo para mim. Sinto falta dela. Aqueles olhos grandes me encarando... Preciso muito.

Ah, hoje os degraus das escadas sorriram pra mim. Alguns tentaram me morder, já outros estavam muito ocupados mastigando escalpos.

As paredes do refeitório jorram sangue, as toalhas são feitas de pele humana, nossos pratos são crânios e os talheres dedos e mãos. Não sei de onde saiu tudo isso. Desde que três irmãs apareceram do avesso, não tenho notícias de mortes.

Acho que tudo foi sendo conservado ao longo desses sete anos de horror.

20 de outubro, Academia da Catástrofe – ST

Meu reflexo finalmente voltou, e trouxe um amigo junto. Ele tem olhos amarelos e um sorriso preto. Nós três tomamos chá, mas acho que fiz algo errado, pois os dois tentaram me afogar na xícara. Eu pedi desculpas, mas já era tarde.

Reflexo e o amiguinho fofo me deixaram sozinha de novo, mas dessa vez foi diferente. Antes eu não via nada no espelho, agora eu vejo um grande abismo. Eu queria olhar por mais tempo, mas algo me dizia que ele ia olhar de volta – e eu estava sem roupa, então não achei prudente.

25 de outubro, Academia do Caos – ST

Os ossos falam, pergunte e eles vão te responder. A coruja, eu preciso capturar aquela coruja. Ela sabe a resposta da charada que o chapéu fez para o corvo.

Foco! Eu preciso de foco. Sinto que estou me perdendo nesse lugar. Eu não sei mais quem sou ou que estou fazendo aqui. As luzes estão mudando de cor, minha janela se resume a penas pretas e olhos esbugalhados. Minha cama tentou me comer.

Acho que estou ficando louca, louquinha de pedra. O quadro de avisos tentou me dizer que os loucos são os melhores, mas ele perdeu o juízo antes mesmo de outubro começar. Não é confiável.

Durante a noite, bancos de igreja caíram do teto e esmagaram cinco acadêmicos. Eles estavam fazendo uma live informativa. Todos que estavam assistindo aplaudiram o show.

Talvez eu devesse ter saído daqui enquanto ainda podia.

30 de outubro, Academia da Conformidade – ST

Tomei coragem para encarar o abismo no espelho. Depois de um tempo meu reflexo saiu de lá com a cabeça baixa. Ele olhou para baixo por um tempo, parecia triste. Tentei fazer uma graça, mas ele nem notou, só voltou pra mim e começou a agir normalmente.

Amanhã será meu primeiro Halloween no campus. Me acostumei com as coisas bizarras. Agora eu tenho um propósito real: Alimentar paredes – elas comem dedos e pequenos ossos –, coletar olhos e reunir tributos para a fogueira de amanhã.

Não lembro mais o motivo que me fez ingressar no antro e não consigo ler uma linha sequer do que escrevi antes de outubro. Se tomei uma decisão errada, é muito tarde para arrependimento.

Amanhã será um grande dia. Estou super ansiosa. Será que as paredes vão se transformar em carne? Mal posso esperar! O dia promete.

31 de outubro, Academia da Carnificina – ST

A primeira coisa que ouvi ao acordar foi o som dos ossos do meu pescoço se partindo. Consegui ver uma menina de cabelos encaracolados, delineado gatinho e batom vermelho. Está tudo bem comigo, eu também a quebrei, entramos em um consenso. Estamos todos mortos, mas nós sempre estivemos, então não faz diferença alguma te contar isso.

Happy Halloween! Viva! O melhor dia de toda a minha vidada está acontecendo enquanto escrevo com a ajuda do sangue de uma alma divina.

O cérebro da diretora tem gosto de frango de padaria, eu já provei dos dois. Três taças de sangue para mim e um par de olhos verdes para acompanhar. A fogueira está pronta e todas nós vamos dançar.

Os homens estão servindo de lenha e nós estamos prontas para caçar. Os lobisomens estão soltos e os zumbis tentam atacar a todo momento, mas ninguém se importa.

Dei a ideia de fazer “abóboras” com as cabeças que estavam dando sopa no grande salão. Uma forma de homenagear a pessoa que escreveu o diário. Todos adoraram.

Enquanto a lua cantava e os corvos mortos se reviravam e davam cambalhotas, nós dançamos até os pés ficarem em carne viva e depois em osso puro.

Um brinde!

01 de novembro, Academia de Contos – ST

Se algum dia você ler isso, saiba que morri. Permanentemente. A maldição é real e ela nos domina por completo. Agora entendo o motivo de ninguém falar sobre todas as atrocidades que acontecem na AC, não tem como. A alma é vendida assim que você se matricula. Não é uma escolha, ninguém te avisa.

Agora estou presa nesse looping infernal, esperando ansiosamente pelo próximo Halloween.

P.S: O segredo é o salgueiro. Queime e liberte.

❖❖❖
Notas de Rodapé

O "diário de capa azulada": Insana(mente)

Se você for das antigas, talvez tenha conseguido pegar uma ou outra referência da Academia da Carnificina (acho que coloquei elementos de todos os anos...)

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