Hiena
Victoria C
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 29/10/23 11:21
Avaliação: 9.48
Tempo de Leitura: 6min a 8min
Apreciadores: 5
Comentários: 4
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Palavras: 1013
Este texto foi escrito para o concurso "Concurso de Halloween — Terror Surreal" O Concurso Terror Surreal convida os participantes a utilizarem do surrealismo para criarem obras de terror para esse Halloween de 2023. Ver mais sobre o concurso!
Não recomendado para menores de dezoito anos
Notas de Cabeçalho

Essa a minha primeira vez escrevendo um texto surrealista, apesar da arte surrealista me encantar. Na verdade, esse texto é de autoria do meu inconsciente, eu apenas escrevi kkkjkkk

Capítulo Único Hiena

"A minha única diferença em relação a um homem louco é que eu não sou louco!"

- Salvador Dalí

Eu sou uma hiena. Eu sei que é estranho e talvez você até ache engraçado, mas essa é a verdade. Eu não apenas sou uma hiena no aqui-e-agora, mas no passado eu também fui uma hiena, embora antes não percebesse, mas agora tudo faz sentido. Aqui está a minha história.

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Em um dia, abri os olhos e me vi deitado em uma superfície dura, fria e lisa. A princípio, pensei que estivesse na minha cama, mas não estava. Desviei o olhar para cima e vi uma luz, porém escura, em um cômodo pequeno, sem janela, apenas uma porta. Pisquei algumas vezes, pois poderia jurar que vi olhos e dentes nas paredes.

A porta rangeu e, aos poucos, se transformou em uma massa disforme e humanoide. Movia-se vagarosamente em minha direção, parando tão próxima que eu podia ouvir um chiado que ecoava como uma respiração forçada. Na área onde deveria estar a cabeça, um buraco escuro pairava, parecendo me observar. Um calafrio percorreu meu braço quando senti uma dor se intensificar, e aquele buraco se aproximou, envolvendo-me na escuridão.

Quando meus olhos se fecharam, vi-me sentado no chão, diante de um espelho, ao lado um bilhete:

"Esse lugar tem suas próprias regras:

1- Sempre esteja sorrindo;

2- Não se mate;

3- Não tente fugir."

Acredite, eu não sou muito adepto de seguir certos tipos de regras. Amasso e jogo o pedaço de papel fora, enquanto observo minha imagem refletida no espelho. Movo minha boca para formar um sorriso, o mais largo que consigo, mas não é o suficiente. Fecho a minha mão com força, lançando-a em direção ao espelho tão rápido que o objeto racha, mas não completamente, apenas o suficiente para um pedaço do artefato cair sobre as minhas pernas.

Pego o vidro pontudo do pedaço do espelho, as laterais não uniformes rasgam a pele, ainda assim, levo o vidro até o meu rosto, olho para o espelho e novamente esboço um sorriso, começo a passar o objeto pontiagudo no canto dos meus lábios. Rasgando, alargando o sorriso, sangue começa a verter da minha face, continuo a rasgar, passo para o outro lado, a minha pele ao lado da boca começa a despencar, deixando os meus dentes a mostra.

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Vejo uma linha de costura e uma agulha grande, seguro-as entre os meus dedos e insiro a linha na lateral da minha boca rasgada, costurando. Início pelo lado esquerdo. Continuo sorrindo. Lado direito, mais sangue. Termino e vejo novamente o meu reflexo com sangue no rosto e dentes, e a boca escancarada em um perfeito sorriso.

Ao meu lado, algo se arrasta pelo chão, as mãos estendidas em minha direção. Uma figura com a boca costurada em um sorriso igual ao meu, com o rosto virado para mim. Seus olhos são órbitas escuras, buracos vazios perdidos na imensidão e quase saltavam, mas eu sabia que não me viam.

Aproximo-me, esticando minha mão, quando aqueles olhos começam a sair das órbitas, saltando. Recuo e observo horrorizado quando da boca da figura surge uma cobra, sua língua começa a se enrolar em torno do meu corpo, apertando, enquanto aquele som atroz penetra meus ouvidos, ecoando como uma canção macabra: 'Seja feliz, seja feliz, seja feliz.' Os arrepios percorrem minha espinha, e eu anseio desesperadamente por ser feliz. Uma risada sinistra de hiena escapa dos meus lábios.

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Enquanto a língua da cobra se enrola ao meu redor, o meu reflexo no espelho adquiri um novo contorno. Meus olhos ficam pretos, e meus poros se transformaram em orifícios semelhantes a bocas. A linha de costura move-se sozinha, executando sua tarefa nas outras bocas, o pedaço de espelho retalha cada parte do meu rosto. Movendo-se para cima e para baixo em perfeita sincronia, como um violinista executando a Sonata ao Luar de Beethoven. Em cada orifício, um sorriso surgia. Olhos-boca com dentes.

Viro a cabeça e no teto vejo um quadro. Nele, um homem repousa em uma cama com a boca aberta, a sua língua em forma de cobra envolve uma hiena, enquanto o animal exibe seus dentes afiados. As paredes ao meu redor começam a desmoronar, desfazendo-se como água. O chão sob meus pés desaparece, mas não caio; permaneço na mesma posição. O espelho, ainda fixo, reflete minha imagem distorcida.

No espelho, observo a hiena e seus olhos-bocas. Meus poros se alargam, jorrando sangue à medida que os pelos emergem, transformando-se em uma mescla de marrom-alaranjado, semelhante ao sol ao definhar todos os dias, formando listras pretas. Minhas orelhas crescem, tornam-se pontiagudas e, à medida que meu rosto se distorce, elas se fixam na parte superior da cabeça. Meu nariz se achata, a mandíbula torna-se proeminente e dentes afiados despontam para fora da cavidade bucal, adquirindo um tom amarelado. A superfície lisa do espelho reflete um rosto contorcido pela dor; no entanto, não sinto nada. Apenas uma sensação de deslumbramento, como quando a lua emerge no quadro negro. Renasci, no infinito, no impossível, dos olhos que emergem na escuridão, pairando no ar, e das bocas esfarrapadas que voam.

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Lá fora, apenas a escuridão ecoava, como se eu estivesse em um abismo. Agora, sem paredes a me confinar, eu conseguia vislumbrar o infinito, meu corpo flutuava livremente. Não havia agonia, angústia ou frustração, apenas um profundo sentimento de êxtase. Uma lua solitária, com um único olho, parecia observar-me, julgando-me, enquanto da minha boca jorrava sangue. Felicidade.

Levo minha mão até a superfície espelhada, esperando o toque gelado do vidro, mas, ao invés disso, uma textura viscosa começou a me aspirar, a me sugar. Não ofereço resistência. Sou consumido por completo, enquanto a escuridão engolia tudo aos poucos, minha carne fundindo-se com a superfície.

Depois disso, eu vi através do espelho, em um quarto escuro, uma figura melancólica contemplando seu reflexo, tentando, em vão, esboçar um sorriso.

Finalmente, eu sei quem sou; eu já disse a vocês: sou uma hiena. Mas não uma hiena qualquer; sou a hiena mais feliz, com um sorriso costurado na boca e buracos no lugar dos olhos.

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Notas de Rodapé

A lua com os olhos é uma inspiração do filme surrealista "Um cão andaluz" de Luis Buñuel e Salvador Dalí.

A citação que inicia o texto foi retirada de uma entrevista realizada com o Salvador Dalí em um programa .

Apreciadores (5)
Comentários (4)
Postado 29/10/23 12:15

"O homem é a hiena do homem" - by uma filosofia estranha aí

Gostei muito da transformação de homem em hiena, foi genial!!!!!

Postado 30/10/23 12:21

hahahah lembrei de Tommas Hobbes. Obrigada!!

Postado 30/10/23 02:20

Victoria do céu, que obra maravilhosa é essa?! Fiquei toda arrepiada aqui!

Parabéns e boa sorte! :)

Postado 30/10/23 12:21

Obrigadaaa, Yvi e boa sorte pra gente!!

Postado 31/10/23 17:18

Uau, eu adorei muito essa ideia de um humano sendo transformado em animal, o texto foi selvagem, desesperador, aterrorizante!!

Mas fiquei triste com o final, com ele dizendo ser "a hiena mais feliz", sendo que na realidade ele estava destruído, melancólico. Achei uma boa representação dos nossos sentimentos tentando ser escondidos atrás de um sorriso...

Obrigada por postar, querida Srta. Victoria <3

Postado 15/11/23 21:29 Editado 15/11/23 21:42

Olá Victoria C, como vai?!

Sua história é uma viagem brutal e sangrenta pelos cantos mais sombrios da mente humana (gosto assim hehehe). Desde o início, fui envolvida por uma atmosfera opressiva e surreal, que foi me guiando pelo protagonista que encara seu próprio reflexo como um portal para o desconhecido.

A maneira como você descreveu as sensações, os detalhes físicos e as transformações, os retalhos do personagem foi extremamente impactante. As imagens que você construiu foram muito vívidas e provocativas, o que faz qualquer um mergulhar em um turbilhão de emoções e sensações grotescas.

Você criou um ambiente onde o surreal e o sinistro se entrelaçaram de forma pertubadora, boquinhas, dentinhos, agulhas de costura, carne retalhada, espelhos sinistros... Uau! Tudo isso vai alimentando o leitor com uma mistura de medo e fascinação. Mas creio que as transições entre as cenas, poderiam ter sido um pouco mais detalhadas, para deixar a história ainda mais envolvente.

Sua originalidade e coragem ao explorar um tema tão complexo e perturbador nos conduziu por um labirinto de espelhos, realidades, metamorfoses e acontecimentos onde a linha entre a realidade e o absurdo se torna beeeem tênue! Eu amei!

Parabéns por sua obra e muito obrigada por ter compartilhado ela conosco! Os resultados sairão em breve! Até lá, meu bem! <3

Beijos sangrentos e ardidos,

Seis.

Postado 23/11/23 09:44 Editado 23/11/23 09:45

Muito obrigada!! Irei levar em conideração as observações para futuros textos <3 <3

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