"Eu nunca fui realmente insano, exceto em ocasiões em que meu coração foi tocado."
- Edgar Allan Poe
Eu sou um romântico incurável. Para Camões o amor é: fogo que se arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente. Sou um entusiasta desse poema, o amor é uma ferida que pode doer, mas não se sente. A minha boca se curva em um sorriso, enquanto a faca de abate rasga a pele, a cor escarlate inunda o ladrilho branco e a minha face. Olho para o rosto que se contorce, mas eu sei que não é dor, é apenas amor.
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Observo-o através da minha Canon, os fios de cabelo pretos e o corpo musculoso tensionando a cada movimento. A pele bronzeada contrastando com o fundo branco, peço para que ele vire e fique de frente para mim, assim que o faz, os seus olhos piscam rapidamente devido ao refletor ligado.
Posiciono a câmera em outras posições e faço mais um clique, dando zoom nos lábios, sinto o meu sangue ferver e acredito que não vou conseguir me controlar por mais tempo, sinto o sangue em minhas veias, a minha pele fica quente. Solto uma respiração pesada e longa, fecho os olhos tentando assumir o controle do meu corpo novamente.
Mas não consigo tirar os olhos deles, ele vai até o cabideiro e pega as roupas que veio vestido, começa passando a gola da blusa azul pela cabeça e quando termina veste a calça jeans justa, depois sem olhar na minha direção, ele pergunta se amanhã poderá vir para receber as fotos, eu meneio a cabeça afirmativamente, já pensando no que irá acontecer, vejo-o subindo a escada do estúdio/porão para o andar térreo e desligo as luzes.
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Ele entra na casa, ofereço um copo com água e o direciono até o estúdio, ele abre a porta e desce os degraus, levo as minhas duas mãos para frente até tocar as costas dele e o empurro, o corpo musculoso rola cada degrau de concreto até bater no chão duro lá embaixo. Fico parado, observando se ele vai se mover ou levantar, mas o corpo continua inerte no chão. Isso sempre funciona.
Desço a escada e toco no corpo, a respiração está lenta, a etorfina que coloquei na água logo irá fazer efeito, viro o tronco e observo a região da cabeça. Tudo perfeito. Seguro nos dois braços musculosos e o arrasto com dificuldade até a parte direita do porão, paro em frente a uma porta branca. Uma folha de papel fixada à porta sinaliza: "Não entre. Laboratório Analógico". Solto os braços dele e abro a porta, então o puxo para dentro da sala, onde uma luz vermelha inunda o ambiente. Nas paredes de porcelanato, algumas fotos reveladas estão coladas.
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Ele abre os olhos lentamente e tenta se mover, mas seu corpo está completamente enfaixado. Sua boca se abre, e ele começa a fazer movimentos desconexos. Levo o meu dedo indicador aos meus lábios, pedindo silêncio, e aproximo minha boca de seu ouvido para dizer: "Eu quero apenas os seus lábios." Com as pontas dos meus dedos, toco suavemente aquele rosto macio, explorando cada parte até chegar aos lábios. No entanto, algo me faz hesitar.
Os olhos, sim, não havia percebido antes o quão lindos eram. Acho que também quero os seus olhos. Levo meus polegares a cada olho e os fecho. Quando eles se abrem novamente, revelam aquela cor mel. Eu definitivamente quero esses olhos.
Pego a faca de abate e começo pelos lábios, insiro-a fazendo um pequeno corte e começo a introduzir a faca mais profundamente até chegar à outra extremidade, raspando os dentes. Apesar de não sentir, ele parece entender o que está acontecendo, e seus olhos exalam pânico. Começo a rasgar cuidadosamente ao redor, e o sangue começa a jorrar. Pego algumas gazes e pressiono, pois, preciso mantê-lo acordado devido aos olhos. Finalmente, passo a faca no último fiapo de pele, e a boca sai inteira. Mostro para ele e a coloco em um saco plástico estéril, depois em um recipiente para ser conservado. O que antes era a boca agora é um mar de sangue, com dentes quase saltando para fora. Cubro com mais gazes e me direciono aos olhos.
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Introduzo a lâmina no olho esquerdo e empurro, algo impede a passagem e percebo que cheguei ao nervo óptico, movo a faca para o lado e pronto, cortei. Vou até a bancada e pego uma colher, insiro na cavidade ocular. Cuidadosamente, retiro o olho. Repito o mesmo processo no outro. Dois buracos vermelhos me encaram, sinto ânsia de vômito e coloco mais gazes em cima para cobrir. O corpo começa a ter espasmos musculares e tensionar, caminho para longe antes que eu vomite e estrague tudo.
Viro a minha cabeça para a outra extremidade do cômodo. As correntes pesadas impossibilitam qualquer movimento, mas os olhos azuis movimentam-se ligeiramente, e a boca costurada parece tentar abrir. Observo cada parte do corpo, recordando quando ela entrou no estúdio e como me apaixonei, não por ela, mas pelo que ela poderia ser.
Agora tenho os olhos e os lábios, faltando apenas braços, pernas e um nariz perfeito. Logo eu irei encontrá-los. Aproximo-me vagarosamente do seu corpo e mostro os olhos. Lágrimas vertem dos meus olhos enquanto digo: eles agora são seus.