Cemitério dos afortunados. (Em Andamento)
Cria de Minerva
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Tipo: Antologia Poética
Postado: 28/08/23 15:07
Qtd. de Capítulos: 1
Cap. Postado: 28/08/23 15:07
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 8min a 10min
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Cemitério dos afortunados.
Capítulo 1 A viagem perdida?

Logo quando amanheceu, decidi fazer um passeio. A manhã estava chuvosa, as nuvens pareciam revoltadas e inquietas sobre algo que somente elas conseguiam ver. O cheiro de terra molhada deliciava o meu olfato, esse cheirinho gostoso me transporta para uma época mais fácil, um período da minha vida que eu não precisava viajar tanto, caminhar tanto. Eu somente era feliz em todos os espaços em que chegava, mesmo com a chuva, com a lama, com o cheiro de terra molhada, o caminho parecia luz e calor aos meus olhos.

Uma trovoada me desperta, recordo-me que estava prestes a fazer um passeio, para um lugar bem longe. Um lugar que o sol não chega e o calor não me abraça, um lugar no qual eu posso gritar bem alto, mas ninguém responde...

Respiro bem fundo três vezes para afastar os pensamentos e energias negativas, algo que minha avó ensinou quando eu ainda era criança. A chuva começa ficar ainda mais forte, o que concluo ser o suficiente para usar meu par de botas rosa choque (que eu adoro, mas sempre me criticam por usar), vou até o meu quarto caminhando em passos lentos - para ouvir o chão de madeira ranger, um som que já se tornou confortável, é som de lar tranquilo. Encaro meu quarto minúsculo, ele só tem espaço para uma pequena e velha cama de solteiro, um baú médio e um guarda-roupas que mais parecia um cabideiro. A bota estava bem ao lado da minha cama, sento para calçá-la enquanto me lembro do calor que sentia antigamente, como o sol parecia conversar comigo "vai ficar tudo bem, menina", ele dizia. Será que um dia essa promessa realmente vai ser cumprida?! Bom, não importa. Nesse momento, tudo que preciso é terminar a viagem que me propus a fazer. Quando volto à sala, quase tão pequena quanto meu quarto, vejo que minha sombrinha amarela estava encostada atrás da porta, recolho-a e visto a capa de chuva que estava em cima do sofá. Respiro fundo mais três vezes antes de sair, ainda me sinto tensa. Respiro mais seis vezes, só pra garantir. Funcionou, eu acho... Então fecho a porta atrás de mim, abro a sombrinha e caminho rumo ao infinito.

- O que é o infinito, afinal? - pergunto-me em voz alta, como se alguém pudesse surgir do além para me responder. Como esperado, recebi silêncio em resposta. O caminho não estava difícil, apesar da chuva. Era um caminho de pedras, no acostamento encontravam-se belas e cheirosas flores, um pouco inusitado, mas tremendamente belo. Eu não conseguia nem reclamar da chuva, aquelas florzinhas pareciam extremamente gratas por ela, como se saciassem uma sede de anos, como eu poderia ser contra a isso? Segui pela estrada de pedras, tomando bastante cuidado para não tropeçar em nenhuma, mas as vezes era inevitável e eu machucava meu pé, elogiei e defendi tanto essas botas rosas, é assim que elas me protegem de volta?

Enquanto eu estava perdida em meus próprios pensamentos, ouvi um som que parecia água corrente. Olhei ao redor e percebi que caminhei muito mais do que eu esperava, já não era possível avistar minha casa, nem as flores, nem um resquício de vida humana. O que é bom, eu acho. Estou chegando no lugar certo. Continuo caminhando e percebo que a chuva cessou... que engraçado... quando foi isso? Devo mesmo estar bem distraída, fecho minha sombrinha amarela, abro a capa de chuva e a amarro a sombrinha pela cordinha no meu cinto. O som da água corrente parecia mais alto agora, como se me convidasse, me senti em dúvida se deveria entrar ou não... será que isso vai me atrasar para chegar ao infinito? Bom, se ele é tudo isso que dizem, esperar um pouquinho não faz mal pra ele. Direciono meus passos, agora, para a esquerda, seguindo o som convidativo da água. Não demorou muito para que eu encontrasse, um pequeno riacho, com várias pedrinhas convidativas, como se dissessem "ei, senta aqui com a gente! Molhe seus pés na água". Por que não? Tirei cuidadosamente a capa de chuva, a sombrinha, descalcei as botas e dobrei a barra da calça até o joelho. Assim que coloquei os pés na água me senti engraçada, ela era fria, mas aconchegante. Ela me puxava pros lados, como se me convidasse a dançar. Será que devo? Não, vou só me sentar junto às pedras. Sentei, fechei os olhos e senti a água calma batendo nos meus pés. E esse foi o meu maior erro. Fechar os olhos. A água gostosa e fria, de repente virou uma grande correnteza, me puxou tão forte para baixo que não tive muita escolha, me puxou de uma forma tão brusca que bati a cabeça nas pedras. Imediatamente senti a dor, a água ficou quente, logo percebi que era meu sangue. Antes que eu pudesse pensar ou fazer qualquer coisa, meus olhos pesaram e eu adormeci.

Sabem como dizem que quando estamos prestes a morrer, vemos nossa vida diante dos nossos olhos? É verdade. Mas não a vida que vivemos, pelo menos, para mim, eu vi somente as coisas que me arrependi. Tudo que deixei de fazer, aquela apresentação da escola quando eu tinha 7 anos, queria tanto dançar. Mas senti tanta vergonha que pedi para removerem meu nome da lista dos interessados. E, então, aquela memória se transformou em um sonho, pois vi algo que nunca vivi. Eu estava naquela mesma festa da escola, com um vestido rosa e preto, dançando calorosamente com meus amigos e mandando beijos para os meus pais. Como um flash, a imagem mudou. Agora eu via aquele menino, o qual sempre fui apaixonada, mas nunca tive coragem de expressar em palavras o que eu sentia por ele, me escondia atrás das grandes camadas de vergonha, insegurança e medos. Vi ele saindo com outra garota, uma bem mais bonita que eu, por sinal. E que parecia mais interessante, inteligente e divertida. Assisti ele fazendo todas as juras de amor que eu gostaria que fossem feitas para mim e, assim como naquela época, me senti péssima. Eu estava ali, prestes a morrer e estava sentindo todas as piores emoções que senti na vida, angústia, medo, vergonha, a dor de não ser o suficiente. E de novo, como um flash, a memória se tornou sonho, me vi aproximando daquele garoto e dizendo a ele o quanto ele era importante pra mim, o quanto eu queria que tivéssemos uma chance de tentar. E ele aceitou, então eu nos vi almoçando junto todos os dias, dando o primeiro beijo, trocando carícias e vivendo momentos felizes. A imagem muda mais uma vez, agora me vejo em terceira pessoa, sentada no chão do banheiro, chorando e pedindo a Deus, universo ou quem quer que fosse que regia o mundo, para me levar. A cada lágrima que eu derramava, sentia que mais motivos nasciam em mim para desistir. E, como na tela de cinema, eu - que estava prestes a morrer - comecei a ver as emoções daquela jovem eu do passado, o que ela pensava naquele momento. No sol. O mesmo das minhas lembranças pela manhã, ela queria tanto senti-lo, abraçá-lo, mas parecia inalcançável. Então ela cansou de perseguir o sol, cansou de colecionar memórias que não a pertencia. Ela simplesmente desistiu, ali, no chão do banheiro. E chorou desejando que seu corpo desintegrasse. Esperei pelo flash que transformaria aquilo em uma memória-sonho, como foram com as outras. Mas dessa vez, não aconteceu. A imagem só escureceu até se tornar um breu, no qual não existia passado, sol, chuva, futuro, memórias e nem sonhos. Só restava eu, me afogando na água do riacho, no meu próprio sangue e em todas as lágrimas que derramei pelo que poderia ter sido.

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