Il faut réfléchir avant d'agir
Si vis vitam para mortem
“Arrête! C'est ici l'empire de la Mort”
Genevieve sempre imaginou como seria andar pelas ruas de Paris depois de tantos anos vivendo no interior da França. Quando o sonho antigo de conhecer os pontos turísticos, históricos e culturais finalmente pode ser realizado, ela sentia-se nas nuvens. Entretanto, jamais esteve mais longe do céu e tão afundada no chão quanto nas Catacumbas de Paris.
Era um lugar escuro, profundo e que lhe dava calafrios, entretanto, lhe atiçava a curiosidade na mesma moeda. E, e algum momento, a curiosidade falou bem mais alto do que a voz de seu guia, fazendo Genevieve se separar do grupo de turistas e entrar em um dos túneis que a encarava como se a chamasse.
Corredores e corredores, túneis e túneis à frente, ela não fazia ideia de onde estava.
Genevieve tentava se manter respirando, mas de alguma forma a atmosfera se tornava cada vez mais pesada e quente, a fazendo ofegar mesmo que não se movesse. Nem o chão gelado e levemente úmido ou a pilha de ossos na qual recostava suas costas eram suficientes para lhe refrescar, e ela já se sentia se sufocando aos poucos.
Estava ajoelhada no chão, os joelhos pressionados no peito, como uma criança que se escondia. Sabia que havia ultrapassado uma linha que não deveria, mas não imaginou que as consequências seriam estas.
Abriu os olhos depois de muito tempo, numa vã tentativa de avaliar a situação. Jamais havia sido covarde em sua vida e não gostaria de ser agora, mas sentia um peso estranho e desconfortável no peito que lhe impedia de fazer qualquer coisa. Talvez fosse justamente isso que eles causavam, isso que eles queriam. Genevieve insistia em pensar assim, mesmo sabendo, lá no seu interior, de que estavam mais para isso do que para eles.
Seus olhos ardiam por conta da poeira, do mofo e de qualquer outra coisa a mais que ela não conseguia distinguir. A escuridão não lhe permitia ver nada além do resto da luz alaranjada que vazava dos túneis mais atrás de onde ela estava, mas era tão profunda e densa que parecia ser palpável. Genevieve sentia que eram como sombras a cercando, dançando no ar. Névoas negras e espessas, que lhe deixavam mais quente e tornavam a respiração cada vez mais difícil.
Controlou as lágrimas que lhe molhavam os olhos, secando uma ou duas rebeldes que ousaram cair. Respirou fundo, tentando encher o pulmão de ar. Estremeceu mais uma vez, mas decidiu que não passaria ali mais nem um momento. Levantou-se, bambeando, mas levantou-se.
Decidiu, também, que estava louca. Que era coisa de sua cabeça. Que havia visto um grupo de exploradores e se assustou. Assim, foi voltando pelo corredor que havia passado para chegar ali. Recriou seus passos de quando havia corrido até lá, com imensa cautela, grata por conseguir encontrar o caminho de volta, esquecendo aos poucos seu medo.
Foi então que os avistou novamente, no mesmo lugar onde antes havia deixado sua lanterna cair. Pareciam ser altos, mas andavam curvados, alguns rastejavam-se. Grunhiam, como animais irracionais e famintos, e cheiravam a sangue e morte. Genevieve sentiu o estômago revirar, mas controlou a ânsia de vômito. Um deles tinha um pedaço de algo na mão, roía algo da carne até aos ossos.
Vivi deveria ter se virado e continuado pelo caminho, correndo o quanto pudesse, gritando por ajuda o quanto sua garganta aguentasse, rezando por ajuda. Mas não. Genevieve resolveu ficar e olhar, mais uma vez sendo traída pela própria curiosidade.
A maioria deles não tinha olhos, sendo apenas pele e músculos secos fundidos próximos aos ossos, com as cavidades oculares vazias ou cheias de carne. Um, no entanto, tinha um par de olhos, afundados e amassados como se tivessem sido pressionados para dentro. Toda a parte branca tinha a aparência de estar putrefato, mas as íris pareciam intactas. Eles se moviam lentamente, como se caçassem um movimento, um detalhe, um suspiro nas sombras. E lentamente, os olhos chegaram até Genevieve.
Ela congelou, sentindo os olhos da criatura encontrarem os seus. Era como se as trevas a puxassem para a ela, usando toda a sua densidade contra seu corpo miúdo. A criatura grunhiu, chamando a atenção das demais e então Genevieve só conseguiu pensar em uma coisa: correr.
Os rastejadores eram incompreensivelmente rápidos. Corriam puxando-se pelos braços, deixando pedaços dos ossos da mão caírem pelo caminho por tanto esforço. Os outros se moviam de formas estranhas, alguns eram muito lentos, mas pareciam assustadores e a faziam querer congelar no canto, outros caminhavam mais rápido, mas não conseguiam acompanhar sua corrida. Ainda assim, não importa para onde Genevieve corresse, haviam mais deles. Mais e mais apareciam, enquanto ela parecia se afundar cada vez mais nas catacumbas. Os tetos iam ficando mais baixos, os chãos menos lisos e mais úmidos e os grunhidos atrás de si mais altos, mais furiosos e mais famintos.
Vivi já não sabia se estava correndo em círculos ou não. O terror a impedia de pensar, seu corpo sequer a obedecia e continuava correndo por impulso, ou pelo menos corria enquanto aguentava. Agora, Genevieve estava ofegante e mal aguentava se mover. Sentia todos os músculos de seu corpo repuxando, e, mesmo lutando contra a dor, acabou caindo ao chão.
Lágrimas tomaram seus olhos ao constatar que agora tratava-se apenas de uma questão de tempo. As orbes castanhas tatearam a escuridão atrás de alguma esperança. Foi então que viu, com os olhos já acostumados com a penumbra, uma última chance de escapar. No teto, ao topo de um monte de ossos, havia uma tampa de bueiro; uma saída.
Genevieve não sabia de onde tirou suas forças para fazer aquilo, mas levantou-se e escalou o pequeno monte de ossos. Com seus braços tremendo, empurrou a tampa do bueiro com uma força que jamais teve. Gritou, grunhiu e chorou, mas continuou empurrando. A tampa, no entanto, não se moveu.
“Où est elle la Mort ? Toujours future ou passée. À peine est-elle présente, que déjà elle n'est plus”