Fruto meu
Lucas Gomes
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 07/06/23 19:59
Gênero(s): Terror ou Horror
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 5min a 7min
Apreciadores: 1
Comentários: 1
Total de Visualizações: 211
Usuários que Visualizaram: 5
Palavras: 854
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Notas de Cabeçalho

Apenas desengavetando algumas coisas. Não repare o pó.

Capítulo Único Fruto meu

Eles haviam se conhecido sob o chão decorado daquela majestosa cerejeira japonesa. Conversaram, trocaram os números de telefone, para depois trocarem mensagens e ali se encontravam, todo final de tarde, embaixo da cerejeira.

Decidiram, como bom casal que cultivou sonhos de romances importados, marcar as iniciais no tronco da árvore. Sabiam do problema em começar a dar brechas com este tipo de exposição.

Ela era a protegida do pai, a única mulher que restou em sua vida miserável. É claro que sua miséria precisava ser sustentada por alguma fagulha de esperança, isso residia nela. Por isso, ele a tinha como sua, a tratava como filha, irmã e por vezes, parecia querer tomá-la como sua esposa. O temia, com razão.

O velho permanecia enraivecido com quaisquer ideias de perder sua amada filha para o mundo, não poderia aceitar algo assim, não depois de já lhe terem tirado a esposa e a mãe. "Que há com este mundo afinal que me tira todas as mulheres?" Pensava.

A cerejeira ficava próxima da casa do velho, junto com outras árvores menores destas, todavia, por ser um barranco, conseguia despistar a vista de quem a vê de longe, inventava algumas desculpas diferentes e o velho pestanejava, mas a deixava ir.

- Vê se não demora. – dizia o velho – você não é puta pra ficar até altas horas por aí.

- Sim, pai. – respondia enquanto saia às pressas.

Andava ansiosa pelo encontro de final do dia. Era o único momento em que se sentia em um mundo diferente da bolha que havia entrado. Ele podia fazer as coisas parecerem diferente, uma verdadeira história de amor, não é lindo?

Se encontravam e sentavam aos pés da árvore, onde dispunham de pouco tempo, mas poder estar lá já era ótimo. Ela contava que o pai havia platando a árvore, segundo ele, trazia majestade para o local, visitava-a diariamente, mas apenas pela manhã. Todavia, cada dia falavam um pouco menos, podiam conversar por mensagens, ali davam amassos, beijos calorosos e se envolviam, sem medo, ninguém passaria por ali, o abrigo perfeito para o amor.

- Você não anda vagabundeando por aí, não é, minha filha? – perguntava o velho – Eu vejo essa meninada por aí e fico preocupado, não quero minha filha do jeito dessa laia.

- Não, pai. – respondia.

A filha passou a sair cada vez mais, encontrava-se com o rapaz quase todos os dias da semana e o velho começou a ficar enciumado, começou a criar hipóteses.

- Mas que é que precisa sair tanto?

- É só pra revisar algumas coisas da aula de amanhã, não precisa ficar preocupado.

Mas o velho já estava preocupado, sabia que o mundo não hesitaria em lhe tirar a terceira mulher de sua vida e precisava tomar uma atitude, "de mim ninguém tira mais nada", pensava repetitivamente.

Decidiu sair de casa, foi ao bar na outra esquina, tomar uma cerveja e aguardar. Trazia o pequeno canivete no bolso, não sabia o que poderia encontrar na rua, e, confessava para si, "Bem que eu gostaria de dar com um malandro hoje. Só uma sorte, ver quem é mais homem.". De longe, avistou a jovem saindo da casa, estava belíssima, radiante, o velho escureceu-se. Levantou, foi ao balcão e largou o dinheiro.

- Fica com o troco. - murmurou, largando o dinheiro sem olhar.

Pôs-se atrás da menina, espreitava pelo outro lado da rua, enquanto ela descia o barranco. Ao horizonte, via uma figura escura cobrindo a cerejeira. "Não na cerejeira da minha Maria, é tudo o que vive dela", angustiava-se.

Quando a viu chegar até a árvore, escondeu-se atrás de um carro estacionado e observou. "Como pode? Minha filha, minha princesa, criada com tanto amor e carinho, virar numa puta destas? Violando as memórias da mãe? Jogando-se dessa forma sobre um vagabundo que ela mal sabe por onde andou? Inaceitável, não enquanto eu estiver por perto. Não." Cegou-se em fúria.

Sentia o ódio bombeando seus velhos pulsos, há tanto tempo parados. Sentia-se jovem e vivo novamente, "como é bom me sentir tão vivo". Aproximando-se, a menina logo o percebeu e deu um grito. Ele a acertou com um soco.

- Cala a boca. Não faz escândalo, já tô louco contigo. - não a encarava, tinha os olhos presos no rapaz.

Ele, aterrorizado, tentou segurar o velhote, não sabia se conseguiria contê-lo. Este ódio... Era velho, mas sabia que precisava garantir o que era dele.

Acertou outro golpe no rapaz, que cambaleou e tentou devolvê-lo, quebrando-o o nariz. Com a boca pintada de sangue, puxou o canivete do bolso e disse:

- Esta é para aprender a não mexer com mulher que não é tua, merdinha.

E enfiou-lhe na barriga, uma, duas, três vezes, golpeando o estômago. Sentido o calor do sangue lavando as mãos. Ela se desesperou, tentando protegê-lo. "Filha minha não é assim não, puta, protetora de vagabundo, não. Filha minha não é mais." Naquele momento se descobria, não sabia que era um afeiçoado das mortes.

Continuou apunhalando-a, até que percebeu os dois estirados e mortos, sobre as raízes da cerejeira.

O velho olhou para os lados, ninguém vinha. Ali, só ele e os corpos, vazando amor.

- Merda – disse o velho – vou precisar plantar outra muda.

❖❖❖
Apreciadores (1)
Comentários (1)
Comentário Favorito
Postado 29/07/23 17:41 Editado 29/07/23 17:42

Cacete, eu tô indignada! Um lado meu me diz que esse ser humano precisa de uma terapia urgente, enquanto o outro só consegue sentir ódio. Esse conto deixa qualquer fã de romance puto!

Surtos a parte... Cara, que texto! A forma que você construiu a "insegurança" doentia do "pai" e o romance secreto da filha deixa o leitor tenso o tempo inteiro. Além disso, é impossível ter qualquer tipo de esperança, afinal a atmosfera do conto, desde o início, já aponta para um horizonte onde a maldade prevalecerá, já que uma pessoa como o "pai" dificilmente mudaria. A questão toda está no fim do conto, pois, por mais que a gente se prepare durante toda a leitura para uma tragédia, nada nos prepara para a frieza da última fala: ela literalmente nos apunhala.

Definitivamente este é o tipo de texto que nos faz sentir ódio de verdade e nos faz refletir, também, sobre a ausência de limites da maldade humana.

Parabéns, Lu ♥