O peso de um segredo
Lucas Gomes
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 13/04/16 22:01
Editado: 19/05/16 23:00
Gênero(s): Suspense
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 11min a 15min
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Palavras: 1810
Não recomendado para menores de catorze anos
Notas de Cabeçalho

Espero que gostem !

Capítulo Único O peso de um segredo

Ao raiar do dia, levantei-me de minha cama sob o som de sirenes. Caminhei até a janela para observar o que estava acontecendo, e então senti o passado amarrar a minha alma novamente. Como eu poderia ter feito isso ? Bom já não importa mais, já foi feito e logo tudo irá acabar.

Voltei a me lembrar de como tudo aconteceu. Era uma noite fria de julho quando comecei a ouvir a discussão dos meus pais no andar abaixo, desci para tentar ver o que estava acontecendo quando ouvi minha mãe dizer:

- Não temos condições de sustentar esse teu vício ! Tu tens te tornado um câncer para essa família, não trabalha, passa o dia drogado ! Que exemplo tu pretende dar para o nosso filho ?

- Vício ? Eu paro quando eu bem entender ! Só continuo usando para suportar essa realidade de merda ! Já não basta tudo que tem me acontecido tenho que ver a minha esposa tentar me dizer o que fazer ?

- Chega Anderson, não quero discutir, vou sair daqui.

Então ouvi minha mãe bater a porta e pegar o carro, e escutei meu pai subindo as escadas, corri para o meu quarto e me tranquei lá o resto da noite. Não tinha ideia de como lidar com essas coisas, eu tinha apenas 16 anos, nunca é fácil, mas quando se é novo parece que só se torna pior.

Passaram-se dias e eu observava tudo que acontecia a minha volta, o ambiente estava muito ruim, minha mãe não ganhava muito dinheiro como garçonete mas conseguia nos sustentar. Meu pai, insistia em cooperar o mínimo possível, mas minha mãe era apaixonada por ele. Bom, ao menos eu imagino que ela fosse pois para aturar alguém assim por tanto tempo. Sempre fez questão de ressaltar as qualidades do meu pai e o quanto eu me parecia com ele, os mesmos cabelos loiros a altura do ombro, entre outras feições. Porém os olhos azuis do meu pai é que a fascinavam, já o que me fascinava, era como eles perderem seu brilho com o tempo.

Quando mais jovem, meu pai costumava ter o ofício de carpinteiro, o que o deixou com uma aparência forte e enrijecida. Tudo mudou quando o acidente aconteceu, ele estava trabalhando com serras, quando num momento de desatenção acabou perdendo sua mão e consequentemente seu emprego. E esse foi o começo da depressão. Gosto de ressaltar que meu pai nem sempre foi tão ruim, mas suas frequentes brigas com minha mãe não facilitaram para ele aceitar seu novo problema. O que o acabou o levando a procurar as drogas, mas o que realmente o "ajudava" era a heroína.

As vezes ele passava dias entorpecido, minha mãe já não sabia mais o que fazer. Felizmente nunca tive muito contato com ele quando o mesmo se encontrava nesse estado. Seguiram-se as discussões até que um dia meu pai me chamou na cozinha para conversarmos.

-Felipe venha até aqui! Gritou ele da cozinha. Fui o mais rápido que pude e então o encontrei me fitando com um olhar calmo.

- O que foi pai ? Aconteceu alguma coisa ?

- Não exatamente, precisamos conversar...

- Sobre o que ?

- A sua mãe, as coisas com ela não estão mais funcionando por aqui. Preciso da sua ajuda com isso Felipe.

- Concordo que a situação não anda bem pai, mas o que eu posso fazer?

- O que nós podemos fazer meu filho, é acabar com esse sofrimento, veja, nossa relação não anda muito boa graças a ela ! Quem você acha que tem tentado nos afastar ?

- Bom é verdade mas... Você tem certeza do que diz ?

- Absoluta ! E tem mais, sua mãe não quer mais nem me dar dinheiro para sustentar minhas "necessidades". Como eu vou conseguir viver bem dessa forma, e consequentemente, como você irá viver bem assim ?

- Então você pretende se separar dela ?

- De certa forma, sim... Agora, preciso que você leve sua mãe para os fundos de casa para conversarmos assim que ela chegar do trabalho, tudo bem ?

- Tudo bem...

E então dei as costas para o meu pai, e fui para o meu quarto esperar o tempo passar.

Chegado o fim do dia, minha mãe estava em casa, esperei ela vir falar comigo e então eu disse:

- Mãe, vá lá nos fundos da casa, papai disse que precisa conversar contigo. É importante !

- Mas o que será que esse homem quer agora ?

E então ela saiu, e eu a segui às escondidas, chegando aos fundos da casa, dei a volta e me meti atrás de uma grande árvore que havia por ali.

Pude ver meu pai se aproximar dela, não conseguia entender o que estavam dizendo, mas era perceptível que eram gritos furiosos. Foi então que vi meu pai pegar uma faca e crava-la com força no peito dela. Soltei um grito e comecei a chorar instantaneamente, eu havia levado minha mãe para sua própria morte ? Eu já não sabia mais o que fazer, enquanto lá estava ela sofrendo e agonizando no chão tendo seus últimos minutos na terra.

Vi meu pai pegar o corpo e fui me esconder no banheiro, eu chorava muito, e me tranquei lá por um tempo.

Algumas horas depois ouvi-o bater a porta, falando que precisava conversar comigo.

Ao sair de lá, sentei-me com ele ao sofá e começamos a conversar.

- O que nós fizemos lá fora meu filho, tem que ficar entre nós. E sim fomos NÓS, você viu tudo, você a levou até lá, você também tem a culpa. E no final das contas, era o melhor para essa família, agora poderemos viver do seguro de vida dela por um tempo até eu achar um novo emprego.

- Mas e as pessoas não vão desconfiar ? -Eu ainda chorava muito.

- Ela estava saindo do trabalho quando foi sequestrada, nós recebemos uma chamada, não conseguimos identificar o número, e ela nunca mais apareceu, simples.

- Você é um monstro sabia?

Ele deu risada e saiu de lá, fui deitar e tentar processar tudo isso, mas é praticamente impossível, eu sou um monstro, assim como ele. E agora eu preciso voltar a viver, como se não tivesse feito nada, mas eu sei, no fundo eu sei, o fantasma da sua morte nunca vai me deixar em paz.

O tempo foi passando, e eu fui tentando levar uma vida normal, apesar de ter um desempenho mediano na escola era suficiente para ser aprovado, meus amigos até conseguiam me distrair.

Felizmente havia um bar perto da escola no qual ninguém prestava muita atenção, então lá eu poderia comprar o quanto de bebida eu quisesse, e isso até que me ajudava um pouco. Porém, não me tirava tanto do real quanto eu gostaria, quanto eu precisava.

Passaram-se algumas semanas, e meu pai demorava a chegar em casa, então resolvi ir mexer nas coisas dele. Foi quando encontrei uma seringa, era aquilo que meu pai sempre dizia, que lhe tornava a realidade suportável, eu não sabia se essa era realmente uma boa ideia, então, fiquei a encarando por alguns minutos e pensei. Bom, isso só trouxe destruição pra vida do meu pai, enquanto ele escapava do próprio sofrimento de viver a sua realidade. E tem algo que uma criatura desprezível como eu mereça mais que isso ?

Foi então que eu peguei a seringa, segurei o meu braço e amarrei um cadarço nele para dilatar minha veia, e usei a minha primeira dose. Nunca me senti tão confortável, era como se eu estivesse tendo vários orgasmos ao mesmo tempo, uma sensação de leveza e ao mesmo tempo sonolência, que eu não consigo encontrar as palavras certas para descrever.

Por outro lado, poucos minutos depois, comecei a entrar em uma depressão profunda, não conseguia encontrar o lado bom da minha realidade que poderia me fazer sentir novamente o prazer da vida. Por que um homem capaz de tirar a vida de quem o gerou poderia ter o gosto de novos prazeres na vida ? Isso latejava na minha cabeça de uma maneira que eu não conseguia esquecer, assim como aquela fuga toda vez em que eu a usava.

Infelizmente eu não percebia, mas aos poucos minhas doses aumentavam e ficavam mais pesadas, a ponto de que eu mesmo precisava comprar e não mais roubar de meu pai, pois ele poderia perceber.

Os dias foram passando, até que eu finalmente tomei uma decisão que iria acabar com todo esse sofrimento.

Decidi que iria entregar o meu pai, isso eu tinha certeza, não seria difícil sair sem ele perceber, afinal estava quase sempre drogado, então um dia no fim da tarde, eu fui até a delegacia de polícia. Já era conhecido por lá, pois logo após a morte de minha mãe, um policial chamado Mauro, um homem negro de baixa estatura, tentou conversar comigo, porém eu estava muito traumatizado para dar qualquer ajuda. Chegando lá ele me recebeu.

- E aí Felipe ! Tudo bem ? Como estão indo as coisas ?

- Oi Mauro, está tudo como sempre esteve, não muito bem... Preciso conversar contigo.

- E sobre o que é ?

- A respeito da minha mãe...

- Entre meu garoto.

Sentei-me numa cadeira a frente de sua mesa e começamos a conversar. Dei-lhe todos os detalhes do que eu havia visto aquela noite, ele me fitou com um olhar sério e disse.

- Garoto, por que nunca me disse isso antes ? Isso é extremamente sério !

- Eu estava muito nervoso, não tinha mais certeza do que fazer, até que decidi que era o melhor pra mim, e era o melhor pela minha mãe... Venham até a minha casa amanhã, no começo do dia, é o horário no qual meu pai costuma se drogar, vocês terão mais de um motivo para prende-lo.

- Tudo bem, muito obrigado, precisaremos de seu depoimento mais tarde.

Então levantei-me e fui pra casa, chegando lá, busquei um caderno e meu estojo na minha mochila que estava jogada escorada na parede, arranquei uma folha e comecei a escrever tudo que eu havia dito ao policial, e guardei em um envelope, então fui dormir.

Ao raiar do dia, levantei-me de minha cama sob o som de sirenes. Caminhei até a janela para observar o que estava acontecendo, e então senti o passado amarrar a minha alma novamente. Como eu poderia ter feito isso ? Bom já não importa mais, já foi feito e logo tudo irá acabar.

Poderia finalmente me livrar de parte desse sofrimento. Então ao ouvir as batidas na porta da frente. Olhei para tudo uma última vez, deixei a carta que eu havia escrito ao meu lado, e injetei minha última dose, a maior dose que eu já havia utilizado. E felizmente a última, comecei a sentir meu corpo tremer e meu corpo formigar, estava tudo doendo, só pude ouvir meu pai gritar e uma grande agitação lá embaixo. Foi quando percebi, tarde demais, que a morte não melhora ninguém. Eu comecei a morrer, quando perdi minha esperança em mim mesmo, mas são ideias tão claras para o meu momento mais obscuro.

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Apreciadores (4)
Comentários (3)
Postado 13/04/16 23:08

Que personagem detestável esse pai! Li até o final torcendo para que ele tivesse um final justo! Pobre mulher. Seu filho não foi lá dos mais sensíveis, mas pelo menos ele no fim entregou seu pai. Pena que sua vida foi junto.

Ótimo conto.

Postado 13/04/16 23:16

Hahaha foi feito para ser odiado mesmo, agradeço de coração sua avaliação, muito obrigado :)

Postado 14/04/16 00:17

Palmas pra você! Parabéns.

Postado 14/04/16 13:45

Muito obrigado ! :)

Postado 15/10/22 18:20

Eu poderia facilmente esquartejar esse pai.

Me fez lembrar de pessoas que já passaram pela minha vida...