É triste. É triste o quanto o tempo passa e sempre voltamos a uma estaca zero que nunca queremos admitir; que eu nunca quero admitir. Ano após ano, toda vez a mesma cantiga de roda chata e mal cantada. Quando penso que definitivamente superei, em minha porta uma mão sangrando está batendo com ímpeto. Quando penso que finalmente sou feliz, na verdade só estou por um curto período de tempo, até que todos os fantasmas do passado mal resolvido venham me atormentar em plena madrugada.
O choro parece mais salgado, a dor, apesar de mais quieta do que quando era mais jovem, parece doer mais profundo. O quarto, apesar de não ser mais na mesma casa, ainda contém memórias quase que possíveis de se carregar na mala de mudanças. Um cheiro mórbido que me lembra do quão ridícula minha vida foi, é e provavelmente vai ser. É o meu hábito maldito de morrer pra entrar no carro funerário de novo, o mesmo carro, aliás.
Apesar de que o cheiro mórbido desta vez guardo pra mim. Os anos me ensinaram que ninguém suporta ficar perto de um cadáver por tempo demais, mesmo já tendo percebido isso quando quase todos haviam ido embora sem qualquer despedida. Acho que é isso, como um anônimo morto com quem ninguém se importa ou tem memória.
O grito sôfrego que é abafado por um caixão muito bem lacrado. Ninguém ouve, mesmo sendo alto. Ninguém vê, mesmo sendo explícito. Ninguém sabe, pois os poucos que ficam ao lado do cadáver estão preocupados demais em conversar entre si; afinal, não era a droga de um funeral? Me pergunto, todos os dias, para me convencer de que a culpa não é minha, se estou presa dentro de um caixão. Mentira. Mentira em cima de mais mentiras. Se a culpa não é minha, de quem seria?
Perguntas que nunca terão respostas. Histórias que nunca irão ter um fim, mesmo que triste. Somente um silêncio ensurdecedor e que faz tudo ficar pela metade. E assim vivo, sem realmente viver, assim como o carro funerário que vai ao cemitério todos os dias automaticamente, cada dia carregando um corpo diferente, sem realmente se importar.
Palavras presas por muito tempo sufocam até não haver mais razão da luta pela sobrevivência. Desculpas e mais desculpas, máscaras bonitas de uma pessoa equilibrada e bem sucedida, que na verdade está perdida em seu próprio funeral. Só esperando pelo enterro, torcendo para que seja breve.