Passo a mão pelos seus cabelos loiros-morango enquanto penso em mil aliterações sinestésicas e visuais barrocas e arcadistas, mas continuo calada, apenas sorrio e observo o céu de fim de tarde contigo.
Tudo gira em minha cabeça, muitas coisas bonitas que não sei transformar em palavras porque se perdem, emaranham e se embolam entre as minhas cordas vocais.
Coisas do tipo sobre como seu amarelo-sol me agrada, sobre como seus sorrisos me deixam nas nuvens, sobre como eu queria poder passar a eternidade deitada nesse campo de uma flor que eu sequer sei o nome, mas que se tornou de repente a minha favorita (perdão, astromélias). Coisas que fazem ou não sentido, mas que são tão minhas que, mesmo dedicadas a você, tenho dificuldade de externá-las até pelos dedos. Por isso, continuo no singelo carinho em seus cabelos na esperança de que esse cafuné pretensioso lhe beije a alma como eu gostaria poder de fazer com as palavras.
Como se percebesse algo que grito sem voz, você se vira e olha em meus olhos.
“Carpe dien”, Você sussurra e dá uma piscadela.
Eu te abraço mais forte, puxo mais para perto, tão próximo o quanto as leis da física permitem e lhe beijo no topo da cabeça.
Volto a encarar as cores do céu, tão bonitas como se a própria Oyá estivesse fazendo uma aquarela para nos presentear nesse momento. (Sei que ela nos abençoa, o vento diz isso). O laranja e o branco e o rosa fazem uma dança harmoniosa enquanto o céu se deita para descansar, mas não sem antes continuar refletindo em seus cabelos e os tornando mais claros. Seu loiro-morango é uma das minhas cores favoritas, assim como a das rosas vermelhas, os hibiscos amarelos e o roxinho daquela kanaganga que tem no meu quintal. São cores que sinto no peito e que são tão bucólicas que só de pensar nelas eu volto a esse campo, a algum de nossos encontros. São cores que me fazem pensar poemas muito antigos sobre o amor e o campo e você. Não os digo em voz alta, mas os transpasso pelo meu abraço e sei que você sente porque se aninha ainda mais em meus braços.
Enquanto o sol se põe, num resquício final de luz enquanto o céu torna-se azul e arroxeado, encaro seu rosto como se fosse o esquecer, tentando lembrar cada lugar onde a última luz do sol de hoje tocou, como cada cor refletiu e como você fica ainda mais bonito no crepúsculo. Nessa tarde que já se vai, você é minha musa, apesar de eu ser um poeta calado. Mas é melhor assim: você não me cobra parnasianismos e em troca eu lhe dou romantismos. Você não se importa com qual escola nos parecemos, desde que não acabe em tragédia.
Por mais redundante que seja, corro de novo meus dedos pelos seus cabelos loiros-morango e faço um cafuné de enudecer minh’alma à sua. O céu já se torna mais escuro a cada instante e a estrela d’alva já se coloca imponente no céu, queimando vermelha e me lembrando de coisas que já pensei em te dizer mil vezes, mas que não saem de minha boca. Te amo, sussurro com os dedos, voltando a fitar seu rosto, agora já escurecido pela falta de luz, mas perfeitamente aceso em minha memória. No crepúsculo, na luz e na penumbra, tu és minha musa, meu amor, minha inspiração, meu par. Minha cara metade sem ser diferente e nem igual. Inesperadamente, você sela seus lábios na minha mão, me lembrando que amanhã serei eu deitada em teus braços e alvo de seus galanteios. Hoje, tu és minha musa loiro-morango e eu o poeta castanho-verão. Hoje sou Dirceu e você é Marília e amanhã serei a Marília de seu Dirceu e, com esse pensamento doce, finalmente consigo dizer:
“Carpe noctem.”