As sirenes da ambulância iluminavam a noite quente. Ainda não era natal, mas na árvore central da praça pendia um corpo do último galho. Os bombeiros chegaram gritando pelo megafone na tentativa de dispersar a multidão curiosa que crescia. Meus pulmões ardiam junto com as lágrimas que corriam pelo meu rosto, minhas unhas cravadas em minha palma traziam um lembrete. O sangue escorria pelas minhas mãos, era tudo minha culpa.
Capítulo 1
— Espero que todos tenham terminado, quem não entregar as 100 palavras não poderá sair da detenção.
— Tá! Mas você vai contar cada uma das palavras? — Lucas perguntou no fundo da sala, segurando a folha em branco.
— As suas eu vou, todas elas. — Andréa era nossa professora de física, sua voz grossa combinava com sua altura e comprimento.
— Professora, me tira uma dúvida. Não é uma punição para os professores ficar na detenção?
— Claro que não, eu recebo um bom bônus para ver vocês derreterem na cadeira. Bem, estão dispensados, menos o Lucas.
Olhei para Lucas que estava com a cara na mochila abafando os piores xingamentos. Amanda veio ao meu encontro, seu cabelo rosa e curto combinavam com a coleira que tinha escolhido usar no dia, seu protesto particular contra a política de vestimenta.
— Nunca te vi mais bonita — a recebi em um abraço — devia ter ido para casa, já está tarde.
— Eu sei, mas não tinha quem me levar.
— São dez minutos de distância.
— Fica quieto e finge que eu te dei um bom motivo. — beijou-me suavemente.
— O melhor motivo — fomos até a minha bicicleta — o que ficou fazendo nessa última hora?
— Fiz um amigo novo. — eu subi e ela se ajeitou no banco.
— Quem?
— Murillo. — comecei a pedalar, tentando lembrar quem tinha esse nome.
— Baixo, cabelo preto, óculos grossos?
— Não seja mal. — ela cutucou minha costela.
— Ele é esquisitão.
— Está com ciúmes? — seu tom brincalhão entregava um sorriso em seus lábios.
— Eu? Nunca na vida.
Deixando ela em casa fui a caminho do correio, eram quase cinco e não tinha recebido mensagem de Paula, minha mãe. Quando cheguei ela estava com o celular em mãos, seu uniforme soado e a marca de sol onde o chapéu não pegava já era sua marca registrada.
— Ia te ligar agora, como foi a aula?
— Normal.
— Sabe se teu vô já voltou da banca?
— Espero que não.
A relação familiar sempre foi um problema. Eu e minha mãe viveríamos felizes se não fosse pelo meu avô. Quando nos acolheu foi rápido em a boca para falar que não somos nada além de oportunistas. Sei que é errado pensar isso, mas eu não me importaria se ele ficasse demente. Era possível ouvir o barulho vindo da casa, música e álcool podiam ser sentidos da calçada, o filho de Patrícia, uma das mulheres que saiam com meu avô, estava sentado no degrau da porta.
— Gabriel! Tudo bem? — minha mãe abriu o portão colocou o chapéu — quer comer alguma coisa? O garoto estava quieto, pálido e as olheiras estavam piores.
— To indo para praça — apoiei a bicicleta no muro. — se quiser, pode vir comigo. O dia virava noite e as luzes do poste acendiam gradativamente, mesmo com os fios ainda era uma cena bonita de se ver.
— Quantos anos você tem agora? — perguntei balançando nossas mãos forma exagerada, tentando fazer ele descontrair.
— Sete-e-meio.
— Só isso? Achei que já tinha uns vinte. — paramos para pegar um picolé do ambulante — Quando foi teu aniversário?
— Não sei. — sentamos num banco — acho que semana passada ou semana que vem.
— Feliz aniversário então, de antes e para depois — inclinei meu picolé e brindamos
— Valeu. — ele balançava os pés enquanto olhava para cima pensativo — alguém já conseguiu ir até lá em cima?
— Do Jacarandá? Acho que não, deve ter uns 500 metros.
— Tudo isso?
— Dizem que o topo é tão perto do céu que se fizer um pedido Deus atende na hora.
— Sério? — os olhinhos dele brilharam — alguém já conseguiu?
— Vai saber. — dei de ombros. — mas sempre tem um primeiro.
Ficamos ali até a mãe dele aparecer, mesmo bagunçada e visivelmente embriagada ele foi correndo feliz. Dando tchau com uma mão, segurava com a outra a mão de Patrícia, guiando ela até em casa. O céu estava escuro e as pessoas iam embora aos poucos. Olhei para o jacarandá, eu poderia ser o primeiro.