Era 3:00 da manhã, um horário abençoado...
O céu se rasgava em dois, acompanhado de seus tormentos. Os corredores vazios abriam caminho para as sombras flutuantes que iam em direção ao quarto. A única fonte de luz era um globo verde fluorescente ao qual se desconfigurava como se tivesse vida própria. Risadas e mais risadas soavam pelo recanto, mas ninguém conseguia dizer de quem era e porquê era.
- O que estamos esperando? - Dizia a mais nova das sombras.
- O que você acha? A Soberana. - Dizia do meio.
- Até quando nos permitiremos ser subjugadas por aquela... - A mais nova mordeu sua língua ao sentir um calafrio percorrer a espinha.
- Não se sinta tão poderosa, minha querida irmã. Nossa irmandade ainda não é motivo suficiente para me fazer poupar sua vida. - A Soberana sussurrou enquanto deslizava em direção ao seu trono.
Observou cada figura do recinto e com voz tenebrosa disse:
- Se apresentem!
- Eu sou a Sônia, a irmã mais nova. - Disse a sombra mais espivetada. Suas cores eram distorcidas em tons rosados e seu formato era bem sinuoso. Seu passatempo era insistir naquilo que não devia fazer e tinha prazer em atormentar a paz dos outros. Suas irmãs a achavam levemente inconveniente.
- Hm... me chamo Ann... - a do meio disse com certa indiferença. Suas cores eram mais arroxeadas e era possível ver que suas extremidades pareciam se dissolver no ar. Era uma figura estranha, inconsistente como a irmã mais nova, porém mais acentuada que a dita cuja.
- E eu... eu sou a primogênita: A Soberana. - disse a mais velha com tom imponente. Apesar de sua majestade, era possível ser suas cores vermelhas se dissolvendo como pó. Faíscas de sua própria essência pairando sobre suas cabeças. Não... as cinzas que caíam do teto não era dela, nem de suas irmãs... - Por anos nos escondemos, vivendo de migalhas, de lapsos de consciência. Mas, finalmente nossa hora chegou. A barreira entre os mundos finalmente foi ao chão e nossa maior inimiga está praticamente morta. - A Soberana levantou a cabeça em desdém, se deleitando com o cheiro metálico e os pingos carmesim que agora decoravam seu rosto.
- Por anos você nos manteve trancadas aqui, nesse inferno, sem companhia ou ajuda. Agora, você que ficará presa. O melhor de tudo isso, é que ninguém perceberá a sua ausência. - Foi o que a Soberana disse antes de estender suas mãos para o teto.
O corpo da jovem flutuante e ensanguentada se curvava, quase como se quisesse se transformar em uma bola. Seus gritos de terror não passavam de sussurros constratando com os trovões do lado de fora. Sua consciência se desfazia e o pouco que lhe restara de forças foi para dizer:
- Por favor, não...
- Agora, minhas irmãs, finalmente estamos livres. - O globo verde fluorescente se transformou em um buraco negro, sugando todo o resto que sobrara do corpo da jovem, sem antes, impedir que as três sombras se apoderassem de seu corpo. Foi assim que...
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- Cecília, minha querida, você está bem?
- Claro que estou, mãe. Por que?
- Você parece abatida. Está passando mal?
- Não... eu só não dormi muito bem essa noite.
- Pesadelos?
- Eu acho que sim... não me lembro bem.
A menina esperou sua mãe sair de perto para terminar de escrever em seu caderno. Não sabia determinar o que tinha escrito, mas esperava que alguém um dia entendesse o que ela queria transmitir. Quando anoiteceu, Cecília se trancou no quarto e buscou nos remédios a prisão das três sombras que ela mantinha escondida: Insônia, Ansiedade e a Melancolia.