Mina recosta as costas na cadeira, com a mente profundamente enfiada dentro do copo de cachaça em sua mão.
O álcool já fazia efeito, deixando tudo rodando em câmera lenta, o pôr do sol lá fora fazendo-a suar mais do que deveria. Os pensamentos eram difusos, ela não conseguia compreender todos. Sentia como se a própria cabeça estivesse numa língua que ela não soubesse falar, uma língua que sabia apenas algumas palavras soltas.
Distinguiu, porém, a voz de um velho senhor sentado ao fundo do boteco com um pandeiro à mão, a imagem dele mesclando-se com as paredes verde-desbotado aos olhos bêbados de Mina. O chapéu panamá denunciava que ele vivia na boemia, e Mina sentiu-se representada na figura dele.
O senhor acompanhava com o pandeiro o samba que tocava por ali, abafado em algum canto. Acorde por acorde, batuque por batuque, Mina sentiu-se desabar no som, afundando profundamente na letra, verso por verso apunhalando o peito e sentindo apunhalar muito mais gente junto dela.
Era como se o velho tocasse pandeiro enquanto o mundo afundava, como os violinistas do Titanic, mas num clima de Carnaval do fim-do-mundo.
“É, do jeito que a vida quer.” Mina repetiu. “É, desse jeito…”