Encaro meu reflexo no espelho:
Ele está sereno perante a minha perdição.
Os anos acumulando dores como se fossem móveis em liquidação,
Causaram danos irreversíveis no meu coração.
Como uma praga traiçoeira, a depressão
Se arrastou pela minha alma até, enfim, sua vitoriosa ascensão.
e mesmo lutando, de nada adiantou…
e mesmo chorando, ninguém me escutou…
e mesmo demonstrando, ninguém se importou…
e mesmo adoecendo, de nada bastou…
A dor se transformou em vazio,
Mas dentro de mim sempre existiu
Esse ódio tremendamente hostil
Por aqueles que transmutaram meu âmago em um buraco oco.
Meu desejo mais sombrio tinha nos lábios a malícia da vingança:
Eu brutalmente os feriria e depois fingiria que nada aconteceu
[só pelo prazer de não pedir desculpas…].
Eu sadicamente me divertiria em cima de suas lágrimas
[só pelo deleite de banalizá-las…].
Eu gentilmente mutilaria seus pulsos com facas
[só pela satisfação de vê-los sangrar como eu…].
Eu amavelmente cortaria as línguas que me difamaram
[só pelo júbilo de não ter que ouvi-los nunca mais…]
Eu os mataria, se eles não houvessem me matado.
E neste meu estado, já não há mais o que fazer,
Mas eu gostaria de tê-los ferido assim como fizeram comigo,
Antes de padecer e o meu ódio apodrecer
A sete palmos do chão como meu único amigo.
Volto a encarar meu reflexo no espelho,
Acompanhando, sereno, a minha decisão.
Inteiramente fragmentada pela minha dor,
Almejo dançar eternamente sobre minhas angústias,
Porque a minha alma está cansada demais para continuar lutando
Por míseros segundos de felicidade.
Eu até tentei sonhar com um futuro
[mas ele demorou demais para chegar…]
E até me esforcei para ser boa em tudo
[mas isso não me levou a nenhum lugar…].
O deslizar da lâmina é o toque mais gentil que recebi,
Porém quase não o sinto:
A dor é tão grande que, do meu interior, ela jorrou para o exterior.
Portanto, para continuar sentindo a gentileza da morte
Devo adentrar a minha pele como se um novo nascimento fosse acontecer.
O sangue escorre dos meus pulsos como se fossem lágrimas,
Pois até mesmo o meu interior lamenta a minha trajetória.
O frio se alastra pela minha pele,
Pois até mesmo o calor me abandonou em minha última prece.
sinto o coração parar…
sinto a minha perna falhar…
sinto a minha respiração diminuir…
sinto a minha vida partir…
E a última coisa que vejo
É o meu reflexo no espelho
Colhendo meus últimos suspiros,
Completamente sereno e disposto a guardar este meu último segredo:
Eu nunca quis morrer,
Mas nunca me ensinaram a amar o viver.
existe algo bonito em morrer,
porque no verdadeiro vazio
a vida não dói mais…
a morte é mais serena que a vida
e acho que o meu reflexo o tempo todo sabia.