Faz muito tempo que não deixo minha cama. Não se preocupe, ando comendo, tomando banho, fazendo o básico, mas para o resto das coisas não deixo a cama — minto, às vezes fico no sofá, mas dá na mesma, não?
Faz muito tempo que você partiu. Demorei alguns dias para perceber que você não voltaria, não tão cedo. Nunca sei quando você vai partir, ou voltar. Você e essa sua alma de gato vagabundo, hein…
Faz muito tempo que não me sinto em casa, que não me sinto confortável, que não me sinto bem. Ao menos não tanto quanto eu poderia me sentir. Ao menos quando não estou em minha cama, deitada no colchão velho, me fundindo ao espaço cedido que já tem a marca do meu corpo. Mas está tudo bem — tão bem quanto seria possível —, acredite, é melhor assim. Aquela cama, mesmo que velha e com mais ácaros do que é saudável para meus problemas pulmonares, é meu lugar de conforto (de emergência).
Emergencial, postiço; porque você sabe que o meu lugar de conforto verdadeiro são seus braços. Minha casa personificada é você, seu peito é meu lar, só me sinto bem quando está comigo, só me sinto confortável quando o aperto dos seus braços ao redor de mim se faz presente. Não é saudável, assim como os ácaros do meu colchão, mas é o que me faz bem.
E eu sei que te faz bem partir, por isso jamais te impediria. Isso não faz doer menos. Dói demais quando te deixo ir, mas eu deixo, porque nunca poderia lhe perder. Te deixo ir, acima de tudo, por egoísmo, pois sempre quando volta você me abraça mais apertado.
Te deixo partir, mas enquanto não volta fico cada vez mais inconsolável. É difícil sentir-se sem lar, ainda mais quando se sentiu assim a vida inteira e experimentou essa sensação por um momento. Fico melancólica, numa melancolia bruta, azul-cristal-de-gelo e mórbida. Mórbida, moribunda e sôfrega, parecendo uma defunta azeda jogada em minha cama. Cama esta da qual eu não saio, exceto para o necessário, desde que você partiu. Porque quando você não está aqui — e faz tanto tempo que você não está aqui — a cama é meu único lugar de conforto.