Você pensou que dessa vez seria diferente e que a amizade seria para sempre e incondicional – pois você é um tipo de romântico incorrigível e por não ter mais tempo para outros amigos – vocês emprestam seus cartões de crédito, deixam surpresinhas na gaveta, pagam almoços e doces uns para os outros, dividem cigarros, fofocas e caos trabalhista, trocam mensagens secretas no expediente pelo WhatsApp Business e apagam logo em seguida e têm piadas internas boas demais, que o burro do patrão jamais entenderia.

É como se fosse um culto e todos fossem os líderes, se apóiam, se ajudam e estão absolutamente contra este porco capitalista, as horas de almoço são regadas à planos que jamais serão concretos de dar uma resposta bem ardida, um tapa na cara, um processo, um golpe, uma denúncia no ministério do trabalho, uma ligaçãozinha para o partido anti-facista da cidade:

“Venham pegar a cabeça desse porco nazista”.

E as coisas andam bem, todos saíram do feitiço que o patrãozinho estava lançando, todos já sabem que sim, teremos sucesso em qualquer lugar que estivermos, pois somos profissionais exemplares – ao contrário do que ele nos diz toda manhã – e todos seguramos o riso nos discursos e rezas matinais de duas horas.

Tudo parece ir tragicamente bem, amigos de trabalho resistindo ao caos. Amigos de trabalho se apoiando, entregando currículos por fora e ajudando um ao outro a atuar dentro da empresinha que vai falir em menos de um ano.

Todos adoram dizer como não precisam estar ali, como já têm outros empregos na manga e uma família que dá suporte, vocês vão às aulas da faculdade pública às sextas-feiras e denunciam todo o abuso nas aulas de filosofia.

São anjos de luz e agentes do caos.

Mas as coisas começam a mudar quando o facista vai consumindo a alma de um por um, uma ameaça, uma manipulação discreta, um comentário humilhante, gritaria disfarçada em um sorriso comprado de porcelana branca.

Então o primeiro de nós, é abusado de verdade, passa a noite em claro doente, chorando, exausto.

“Você sabe o patrão que tem, não sei por que está reclamando” – eles dizem.

“Ele é assim mesmo, só ignora.”

E de repente, a amiga que fica no RH se junta com a diretoria e te soca “horas em haver” até o colo do útero, horas que você nunca viu que devia.

De uma hora pra outra, mais um de nós é abusado, outro sai, outro surta, outro está em desespero, outro não agüenta mais viver e todos os casamentos desabando.

O facista continua com os bolsos suando.

“Ele quer que sejamos maus uns com os outros, não podemos ser assim” – você diz.

E todos concordam.

Mas esquecem do acordo no mesmo segundo que adentram o hall.

Ele gritou e me humilhou ontem na frente de todos, eu gritei mais alto e fiz o imbecil chorar por duas horas seguidas, ele é do tipo que só pede desculpas para se promover.

É do tipo que compra roupas falsificadas de forma grosseira e alisa o cabelo crespo para fingir ser o branco que os ainda-mais-ricos fingem que acham que ele é.

Ele é no mínimo digno de pena.

E agora me sinto sozinha, pois ninguém mais retribui as gentilezas, falam de forma insípida, e andam cagados de medo – medo de quê?

Mal sabe ele, que outra empresa me chamou pelo dobro do salário, mal sabe ele que daqui a três dias às 17h59 vou esbanjar um sorriso bem falso e mascarado e agradecer por essa experiência maravilhosa, surpreendente, emocionante que me deixou doente e viciada.

Mal sabe ele, que nem os oitenta advogados podem salvar ele de alguns pobres bem informados com sangue nos olhos.

Mal sabe ele, que ele pode ter crescido rápido e enriquecido roubando os antigos funcionários – oops, como será que eu sei? - mas quanto mais alto um criminoso vai, maior é a queda.

Mal sabe ele, que os livros que com a alma, eu escrevi para essa empresinha de merda, estarão bem guardados em meus drives - sem arquivos editáveis no PC velho da empresa - aguardando seu momento de serem meus – por direito.

Mal sabe ele, que eu sou a pior coisa que ele já resolveu tentar enganar.

Sou escritora desde que nasci e não preciso das suas “dicas de como colocar o 'E' nas frases”, pois você não terminou nem o ensino fundamental e mente, dizendo que sim, mas você é tão burro que nem limpou seus arquivos pessoais antes de me colocar para escrever nesse COMPAQ Cinza Windows 7.

A sua queda virá.

Não vou te processar.

Não vou te denunciar.

Não vou te perseguir.

Você é minúsculo, um rato.

Não merece nenhum segundo meu.

Mas mesmo assim, você vai se arrepender de ter mexido comigo.

Quando você voltar ao pó da terra, vai se lembrar de que diminuiu nosso salário, roubou minhas ideias, roubou minhas palavras e livros, você vai se lembrar que adoeceu todos os funcionários incríveis que contratou, você vai se lembrar que enquanto você anda no seu carro de luxo, sua mãe passa fome.

Você vai se lembrar de que Deus não tem vagas pra burguêses safados, no Céu.

Você vai viver esta e outras vidas procurando onde errou, procurando o que está perdendo, procurando saber onde foi que deixou sua alma escapar, você vai continuar sendo atormentado por espíritos, demônios e aparições à noite, vai continuar sendo um menininho que teve uma família desestruturada, vai continuar negando as próprias raízes e ignorando a consciência de classe?

E mesmo assim, por orgulho, você vai permitir que seu ciclo infinito de ignorância se perpetue?

Sua mulher não engravida, pois a Justiça existe e não permitirá que nenhuma criança sofra com o pai péssimo e manipulador que você será.

Você vai se arrepender de ter fodido com a cabeça dela, com a família dela, com os sonhos dela.

Ela não merece passar a vida inteira com você, espero que um dia ela acorde.

Você vai se arrepender dessa montanha de dinheiro, quando o fim chegar?