Tem frio que gela a alma. E naquela noite soube que faria 2 graus... negativos! Era uma santa ironia. Dentro da sua geladeira estava mais quente. O seletor indicava quatros graus. Positivos. Num frio destes, ela se preparava como podia. Dormia sob uma enorme pilha de cobertores. Vestia o seu velho moletom. Sem abrir mão das indispensáveis luvas e meias de crochê. Sempre de crochê.
Mas todos já sabiam. Aquele seria um inverno rigoroso. E pensando bem, não seria a primeira vez. Tinha encarado temperaturas piores. Mas aquela estação seria diferente. Faltava a presença dele. Isso fazia toda a diferença.
Roupas e cobertores aqueciam o seu corpo. Mas o calor da pele dele aquecia a sua alma. E ali, estava sozinha na madrugada. Na escuridão de seu quarto. Onde o tempo parecia parar. Ouvindo sua ofegante respiração. Então, surgiam os fantasmas das horas. A solidão e o silêncio. As lembranças e a saudade. Aquele imenso vazio.
Por alguns instantes, cerrava os lábios. Em um grito calado de indignação. Se pelo menos, fosse Deus. E pudesse voltar no tempo. Curaria o seu grande amor, com um beijo divino. E teriam de volta a sua vida e sonhos. Mas nada podia fazer. Apenas provar o gosto amargo da realidade. No anonimato das dores de um coração despedaçado.
Desapareceu, encolhida debaixo dos cobertores. Lá fora, chovia torrencialmente. E os grossos pingos escorriam pela janela. Como as lágrimas mornas que deslizavam sobre o seu rosto.