Enfim, o broto vira cevada. A cevada vira malte. O malte vira cerveja. A cerveja vira porre. E depois, sabe como é a vida. Aquela dor de cabeça e gosto de isopor na boca. Até aí, tudo bem. Quer dizer, bem mesmo só no dia seguinte. Se o fígado for deixado em paz. Mas acontece que algumas vezes essa história muda de enredo. E “surpresas” aparecem no meio do caminho. Ou no final.
Ele abriu os olhos penosamente, já ao meio dia. E algo estava estranho. Não acordou esparramado em sua cama. Como sempre, depois de um pileque qualquer. Seu colchão parecia ter diminuído. Aí se deu conta de que havia um misterioso volume ao lado. Debaixo do cobertor. E seu coração disparou. Era alguém! Outro ser humano de carne e osso. Mas quem? Fechou os olhos. Tentou recordar da noite passada. “Lembra, lembra”, cobrava em sua cabeça desesperadamente.
Então, vasculhou em sua memória. Uma vaga imagem começou a se formar. Uma ruiva belíssima. Sentada na mesa em frente. Mas não se lembrava de conversarem. Sua mente inexplicavelmente travava. Parava de funcionar, assim, de supetão. Em algum lugar entre o nono e o décimo chope. Restando um branco insondável.
Atentamente, observou aquele corpo oculto. Um tanto misterioso debaixo da coberta. Entre poucas coisas, recordava de um discreto sorriso de Vênus. Que recebeu, quando que sentou na mesa do barzinho. As mulheres são mesmo cheias de códigos. E aquele era um sinal inconfundível de que ela estava a fim dele. Por isso, foi entornando um copo atrás do outro. Aguardando pacientemente, feito um competente lobo mau. O momento exato de sua Chapeuzinho Vermelho se tornar mais caliente. Fazendo outro sinalzinho inconfundível. Ao mexer o dedinho para se aproximar dela. Enfim, o sinal vira olhar apaixonado. O olhar apaixonado virar beijo. O beijo virar amasso. O amasso virar ida até a casa da vovozinha, quer dizer, do apartamento dele. Até que...
Ele não se perdoava por não lembrar mais de nada. Sentia uma malícia irresistível em saber o que tinha acontecido. Só então, notou os outros sinais. De uma grande noitada selvagem. Mordidas e chupões por todo o corpo. Ah, aquela bandidinha! Então, já tinham ultrapassado toda a fronteira da timidez inicial. E não tinha mais problema de dar uma cafungada gostosa naquele pescoço cheiroso. Entre aos belos cabelos bronzeados. Delicadamente, levantou o coberta e...
Meus Deus! Aquela ruiva tinha barba! E olhando melhor, não era ruiva. Era o... o Roberval! Aquele garçom marombado que sempre cumprimentava com um sorriso. Imediatamente, um arrepio gelado foi descendo sua coluna vertebral. Que estranhamente estava ardendo mais embaixo. O que tinha afinal se passado naquela noite? Ele nunca teve coragem de perguntar. Mas o Roberval dormia como uma pedra. E um grande sorriso nos lábios.