Já faz tanto tempo e ainda não sei dizer em qual momento fiquei preso.
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Durante toda a semana, a partir de um horário especifico, ela está lá. Sentada no banco de sempre, fazendo atividades solitárias que afastam quem quer que queira conversar. Entre esses afazes insociáveis, tem vezes que escreve em seu caderno — e essa é minha atividade favorita. Pois em momentos como esse, eu tenho a impressão que nossos olhos se encontram e por um instante esse é o “nosso momento” em que tudo para.
Não sei exatamente quando a notei, sentada naquele banco, mas lembro que era final de semana e tinha vindo com alguns amigos para um parque, em alguma hora comecei a me sentir observado. No começo olhava discreto para os lados e em certa altura, um colega até mesmo me perguntou se eu estava vendo alguém estranho — em outras palavras: um possível ladrão.
Não tinha o que dizer para ele, já que nem eu mesmo sabia que sensação irreal era aquela. Até avista-la.
Desde aquele dia, sempre arrumo tempo para ir a um parque observa-la. Não existem desculpas para faltar de tempo, PRECISA sobrar tempo para ela. Sei muito pouco sobre sua pessoa e quero muito saber mais...
Houve vezes que corajosos tentaram se aproximar com seus sorrisos e conversa furada, ela gentilmente respondeu e da mesma forma os correu, sem realmente se importar com os olhares feios. Quase como se qualquer investida fosse inútil.
Não quero ser dispensado por sua gentil educação, me sentirei culpado quando sucumbir ao desejo de voltar e ser obrigado a observa-la em segredo. Somente, por isso, eu apenas a observo.
Porém, desde o começo em que a avistei pela primeira vez, mais e mais quero observa-la, conhecer sobre si e saber tudo o que pensa — seja lá onde quer que seus pensamentos vageiem. Como se eu estivesse me tronando um perseguidor coberto de loucura. Estaria eu enlouquecendo?
Eu tradeio observando seu momento introvertido, nunca ficando até o final. Quando ela vai embora... não sei?
Tenho uma ideia do horário que deixa seu banco, mas ainda me questiono se ela olha seu relógio apenas para ver a hora. Ou por esperar alguém, um possível amante. Ou talvez seu livro esteja na melhor parte e não deseje parar tão cedo, mesmo que isso signifique ter de pegar um ônibus mais tarde... Realmente quero acreditar que a última alternativa é a correta.
Só que esse desejo de querer mais, está me corroendo, preciso acabar com esse conflitante mistério. Mesmo com esse sentimento de que deveria ir embora. Se for um amante, eu não sei o que vai acontecer... Minha garganta está seca.
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O pior — para minha vida — aconteceu.
Ela olhava seu relógio cada vez mais, alguém estava atrasado. Seus olhos procurando pela multidão do parque, um rosto familiar que não chegava. Um “quem” por mim nunca visto.
Pela certeza em seu rosto, era sua pessoa que inconscientemente era fácil de encontrar, mesmo em uma multidão de três mil. Aquele que a deixava feliz, sabia tudo sobre ela... Aquele que NÃO era eu.
Meu amor de sorriso largo e olhos brilhantes esperando ser cumprimentada por um homem estranho, satisfeita em receber um misero beijo no rosto — partindo meu coração. Quando deveria receber um belíssimo buque de suas flores favoritas, como pedido de desculpas por não chegar mais cedo que a hora marcada.
Ele não a honrava, não a merecia.
Não posso acreditar nisso, não posso deixar que continue.
A faca em minha mão parecia úmida e meu corpo tremia. Mas continuei a caminhar em suas direções. Ambos olhavam para mim, não tem ninguém além de nos três. Não tem a quem correr.
Quanto mais me aproximava, mais me incomodava a sensação de ser observado como no dia que a vi pela primeira vez. Seus olhos brancos sob mim, a noite parecia tão escura de repente, como dois lobos famintos. Eles me agarram e sentam no “banco de sempre”.
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Não sei quanto tempo passou.
Agora, durante toda semana, em um especifico horário, EU estou aqui. Sentado no banco de sempre. Esperando alguém, sem saber exatamente como, sentir-se incomodado e me notar.
Esperando a chance de existir.