Um sorriso, um único sorriso, e aqui estamos nós. Aliás, aqui estamos eu e você, pois nós não existe. Tenho medo de concluir que nunca existiu.
Eu lembro perfeitamente do primeiro dia. Você veio com seu sorrisinho indecente, e eu, inocente, caí feito uma patinha em toda sua lábia doce como o mel, e eu nem sequer gosto de mel. Mas de você eu gostava. Ah, como eu gostava. Gostava de chegar a doer no peito, gostava de sorrir bobo quando lembrava de você, gostava tanto que podia ouvir um dia todo sua voz, de falar contigo a tarde inteira, de passar a noite toda acordada apenas para te mandar mensagens com a esperança de que você demorasse menos de uma hora para responder.
Me entreguei por completo, de corpo, mas mais especificamente de alma. Mas de que adiantou tudo se você não quis me ver por dentro? Se cegou, e junto cegou a mim. Quis me amarrar, me amordaçar, me fazer aceitar todos os seus planos e desistir dos meus. Quis me calar sobre meus desejos e ideais, tentando me forçar a “ver” que tudo o que fazia não era nada demais, que seus amigos eram legais, que eu estava vendo coisa onde não tinha.
A cada trago, a cada fumaça que eu inalava, estava mais perto da morte, mas você insistia em dizer que era sorte. Insistia em dizer e depois desdizer ou mudar a palavra, e eu acreditava em tudo. Insistia em chamar de amor aquilo que eu chamava de doença, insistia que éramos feitos um pro outro e ameaçava adicionar mais um corte a seu braço ou então de exagerar na dose dos comprimidos. Você ameaçava um corte em você mas na verdade estava me dilacerando. E me dilacerou. Me rasgou feito papel, feito folha mole e molhada, feito papel de presente que é rasgado sem dó.
Eu sempre soube que não devia. Sempre soube que aquilo acabaria me machucando, me ferindo. Sempre soube que seria tão nocivo quanto seus cigarros, mas você era tão envolvente quanto meus livros da Agatha Christie.